TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

441 acórdão n.º 90/13 44. Causando prejuízo grave e irreversível para o sujeito por ela visado, por impedir a preclusão do prazo taxa- tivamente fixado na lei de seis meses para o exercício do direito de queixa desde o conhecimento do facto e do seu responsável. 45. Tal interpretação normativa atenta contra o princípio da legalidade, previsto no artigo 1.º, n. os 1 e 3 do CP e 29.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), por redundar na integração de uma lacuna in malam partem, o que, naturalmente, é legal e constitucionalmente vedado ao julgador. 46. Do Acórdão recorrido decorre ainda como critério decisório que a queixa deduzida por ofendido da prática de um crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 172.º, n. os 1 e 2 do CP, na redação que lhe foi dada pelo DL n.º 65/98, de 02/09 (ou de qualquer um dos crimes elencados no artigo 178.º, n.º 1 do CP), no prazo de seis meses consequentes ao mesmo perfazer dezasseis anos de idade, se deve considerar tempestivamente apresentada estando o Ministério Público, consequentemente, legitimado para exercer e promover a ação penal. 47. O sentido interpretativo das normas dos artigos 113.º, n. os 1 e 3 e 115.º, n.º 1 do CP (na redação ao tempo vigente), bem com do artigo 178.º, n.º 1, na redação da Lei 65/98, de 02/09 e 178.º, n. os 1 e 4, na redação da Lei 99/2001, de 25/08, subjacente à decisão recorrida, contém em si critérios jurídicos genérica e abstratamente referidos ao texto, com suficiente autonomia para permitirem a sua utilização em casos semelhantes. 48. Estando por isso ferida de inconstitucionalidade interpretação normativa das normas constantes dos arti- gos 113.º, n. os 1, 3 e 6 e 115.º, n.º 1 do CP, subjacente à aplicação que delas foi feita no despacho de fls. 17 042 a 17 046 dos autos, sufragada a pp. 90 e segs. e 95 e segs. do Acórdão proferido em 1.ª instância e a fls. 73 366 a 74 409 do Acórdão recorrido, segundo a qual o prazo para o exercício do direito de queixa só se inicia na data em que o ofendido perfizer 16 anos de idade, extinguindo-se apenas quando decorridos seis meses sobre aquela data, por a mesma violar o disposto no artigo 29.º, n.º 1 da Constituição dá República Portuguesa (CRP), a qual deve ser declarada, com as legais consequências. 49. É ajuda de todo inadmissível a hipótese de aplicação aos factos em apreço nos presentes autos do novo regime introduzido pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro. Tal aplicação retroativa de um regime jurídico mani- festamente desfavorável viola o disposto no artigo 2.º, n.º 1 do CP e nos artigos 18.º, n.º 3 e 29.º, n. os . 1 e 4, ambos da CRP. 50. Tal aplicação, porque contra reum, implica ainda a violação do disposto no artigo 29.º, n.º 4 da CRP, na proibição que este comando constitucional impõe de aplicação retroativa de normas matérias menos favoráveis ao arguido, o que deve ser declarada, com as legais consequências. 51. Prevenindo entendimento contrário, a questão que agora se coloca é, pois, se, à luz do entendimento plasmado no Acórdão recorrido – de que o prazo do exercício do direito de queixa só se inicia na data em que o ofendido complete 16 anos de idade, tendo o seu termo na data em que complete 16 anos e 6 meses – é possível concluir pela manutenção do direito de queixa pelo ofendido da prática de um crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo artigo 172.º, n. os 1 e 2 do CP, na redação da Lei n.º 65/98, de 02/09, bem como pela sua tempestividade, eficácia e validade, quando o exercício de tal direito, é efetuado no termo do prazo de seis meses após o ofendido ter completado dezasseis anos, de forma absolutamente genérica, e precedido de sucessivas e inequívocas declarações do mesmo ofendido nos termos das quais nega ter sido vítima de qualquer ato integrador de um crime daquela natureza. 52. A declaração de vontade de procedimento criminal nos termos acabados de referir, não pode traduzir, quanto ao visado por aquela, o propósito do exercício do direito de queixa, já que essa intenção não foi nem expressa, nem inequivocamente afirmada, bem pelo contrário. 53. Devendo até entender-se que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 116.º, n.º 1 do CP, que o exercício do direito de queixa não pode ser exercido por ofendido que no decurso do prazo de seis meses após per- fazer dezasseis anos, afirma por sucessivas vezes sucessivas que não foi vítima da prática de qualquer crime de abuso sexual, não declarando em cada uma dessas vezes o desejo de procedimento criminal, e que posteriormente, vem afirmar ter sido abusado sexualmente, mas por ninguém que conhecesse ou reconhecesse e decorrido o prazo de seis meses, afirmar que afinal um dos referidos abusadores foi por si reconhecido na data do facto que lhe imputa,

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