TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
434 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 1.º, f ) e 358.º do CPP XI. Quanto à questão de saber se alterações de lugar e tempo são substanciais ou não, comece-se por dizer que se é verdade que é importantíssimo o circunstanciar do crime, concretizando a concreta situação de vida em que se deu a sua prática, a realidade é que o tempo e o lugar não são imprescindíveis para que se possa dizer que tal crime foi cometido, bastando que se consiga balizar minimamente o local e o tempo em que tal facto ocorreu, ainda que com limites relativamente latos. XII. Decorre da formulação do artigo 283.º, n.º 3, b) , do CPP que a indicação do lugar, tempo e motivação, deve ser incluída na acusação, se possível, o que confere um caráter de eventualidade a tal indicação, apontando claramente no sentido da não imprescindibilidade de tal indicação, ou a sua maior ou menor precisão, para que se possa validamente imputar o facto ao agente. XIII. Na prática judiciária, há inúmeras acusações que contêm formulações não precisas: “em dia não concre- tamente apurado, mas situado entre os meses de janeiro e março de 2009 numa rua paralela à avenida da liberdade”, sem que com tal não se deixe de imputar a prática de tal ilícito ao agente. XIV. Dizer que o facto imputado ocorreu num dia indeterminado situado não entre outubro de 1998 e outubro de 1999, mas entre fins de 1997 e julho de 1999, não implica a imputação ao arguido de qualquer crime diverso, ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis pelo que tal alteração de lugar e modo não constitui uma alteração substancial dos factos descritos na pronúncia. XV. As alterações de lugar e tempo não configuram uma modificação da conduta criminosa, mas apenas das cir- cunstâncias da sua execução, emoldurando aquela conduta na concreta situação da vida em que ocorre, sem que com isso se desvirtuem os elementos essenciais do tipo, precisamente por isso é que não configuram a imputação de novo tipo incriminador ou a agravação dos limites máximos aplicáveis. XVI. A vinculação temática, decorrência da estrutura acusatória do processo penal, deve ser temperada com o princípio da investigação, por sua vez decorrência do princípio da verdade material, e que constitui uma válvula de escape para a rigidez processual que representaria o facto do julgador, apercebendo-se no decurso da audiência que as circunstâncias de lugar tempo e modo em que ocorre a prática do ilícito poderão não ser exatamente as descritas na acusação embora caibam na mesma situação de vida unitária, não a desvirtuando nos seus elementos caracterizadores essenciais, não pudesse integrar tais circunstâncias no objeto do processo. XVII. Se a alteração dos factos tornar, na prática, impossível o exercício efetivo da defesa, com o sentido em que o arguido afetado não consegue exercitar a sua defesa eficazmente porque não há prova possível para o novo quadro temporal indiciado, poderá representar em abstrato uma alteração disciplinada pelo artigo 359.º; mas já não quando, ainda que onerado na sua posição, consegue, com maior ou menor dificuldade, alinhar prova com a qual pretende contrariar a ampliação do quadro temporal, caso em que não é sustentável que a sua defesa se tenha visto irremediavelmente comprometida. XVIII. Face à abundância de prova, e independentemente da sua pertinência ao objeto dos autos e utilidade para a boa decisão da causa, que o arguido D. encontrou para contrariar o alargamento temporal da prática dos factos (vd. requerimento probatório fls. 64 915 a 64 921), não é, in casu , sustentável que ficasse impossibilitado de se defender com as alterações de tempo comunicadas. XIX. É que é diferente dizer que o crime não ocorreu entre 98 e 99, mas sim entre fins de 97 e meados de 99 e dizer que não ocorreu entre 98 e 99, mas sim algures na década de 90, só esta última situação tornando vir- tualmente impossível a defesa do arguido. XX. Considerando que a estratégia de defesa do arguido consistiu essencialmente na demonstração que no período considerado não poderia estar no local em causa, mas noutro qualquer, para tanto juntando recibos de portagens, listagens de chamadas telefónicas, etc., o acréscimo de alguns meses ao período considerado não representa uma dificuldade intransponível. Oneroso sim, mas longe de impossível. XXI. A interpretação feita pelo tribunal dos artigos 1.º, f ) e 358.º do CPP em nada ofende os direitos de defesa do arguido, inexistindo a invocada inconstitucionalidade por violação do artigo 32.º, n.º 1, 2 e 5, da CRP.
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