TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
418 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL impugnação da matéria de facto – sem que haja sequer lugar a qualquer convite a aperfeiçoamento – do recurso que – apesar de especificar os concretos pontos da matéria de facto que pretende impugnar e as concretas provas em que se funda – não faça corresponder a cada ponto da matéria de facto cada uma das concretas provas em que se funda [e respetivas concretas razões de discordância], antes optando por reportar a cada conjunto de factos agregados um conjunto de concretas provas que a ele se reporta [numa apresentação global das concretas razões da discordância em relação a cada núcleo factual]. X) Tal entendimento normativo é inconstitucional, por flagrante, desproporcionada, intolerável e iníqua denega- ção do direito ao recurso, tal como está consagrado no artigo 32.º n.º 1 da CRP e no artigo 2.º do protocolo n.º 7 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Y) Admita-se, sem conceder, que a especificação efetuada devia ser aperfeiçoada. Parece que, no contexto de um processo equitativo, que salvaguarde o direito ao recurso, o tribunal devia ter estipulado um prazo para esse fim, adotando um entendimento normativo compatível com esse efeito. Porém, o que o tribunal fez foi – sem motivo razoável ou proporcional – adotar um entendimento normativo que permitiu impedir a impugnação da matéria de facto, sem sequer dar a possibilidade ao recorrente de corrigir qualquer eventual má conformação da sua peça processual. E, ao fazê-lo, violou o direito ao recurso em matéria de facto, que, in casu , era manifes- tamente o mais relevante do que estava em jogo. 3.ª: A junção de documentos supervenientes Z) Já após a prolação do acórdão da 8.ª Vara Criminal de Lisboa, o arguido A. foi confrontado com a existência de documentação relevante para a impugnação da matéria de facto constante dos recursos interpostos, desig- nadamente a publicação de um livro do assistente L. e declarações à comunicação social do arguido M., dos assistentes E., K., e das testemunhas O. e R.. AA) Tais documentos supervenientes foram sendo juntos aos autos, primeiro com a resposta do arguido A. aos recursos interpostos pelo Ministério Público e pelos assistentes, depois através dos requerimentos apresentados a 1 de abril de 2011 e a 14 de novembro de 2011. BB) Porém, a Relação de Lisboa não admitiu a junção aos autos de tais documentos, com base numa interpretação restritiva que adotou quanto ao artigo 165.º n.º 1 do CPP, no sentido de que tal norma legal veda, em abso- luto, a junção de documentos – sem quaisquer exceções – após o encerramento da audiência de julgamento em 1.ª instância. CC) Todavia, que sentido faria – quando a matéria de facto vai ser apreciada pelo Tribunal da Relação – que o Tribunal de Recurso não se pudesse pronunciar sobre meios de prova novos, entretanto produzidos e relevan- tes para a defesa do arguido? A alternativa, bem absurda, seria a de ter de aguardar o trânsito em julgado da sentença, para que tais novos meios de prova fossem apreciados em sede de um recurso de revisão? DD) Argui-se a inconstitucionalidade do entendimento normativo dado ao artigo 165.º n.º 1 do CPP, devida- mente conjugado com os artigos 428.º e 431.º do CPP, no sentido em que não é admissível, após a prolação da sentença da 1.ª instância, a junção de documentos relevantes para a defesa do arguido – em sede de recurso que abrange a matéria de facto –, quando esses documentos foram produzidos após a prolação daquela sen- tença da 1.ª instância, só então sendo do conhecimento do arguido. EE) Tal entendimento normativo – mormente quando adotado no sentido de que não admite exceções, o que não é razoável nem proporcional – viola as garantias de defesa e o direito ao recurso consagrados no artigo 32.º n.º 1 da CRP, bem como o princípio de um processo equitativo previsto no artigo 20.º n.º 4 da CRP, tal como no artigo 6.º da CEDH. 4.ª: A questão do artigo 115.º n.º 1 do CP FF) No requerimento de abertura de instrução (cfr. fls. 16 792 a 16 866 do processo principal), o arguido A. – tal como outros arguidos – suscitou a questão de nenhuma das supostas vítimas – ou os seus representantes legais – terem apresentado queixa no prazo de seis meses previsto no artigo 115.º n.º 1 do CP, razão pela qual caducara o seu direito de queixa, o que não foi atendido pelo juiz de instrução criminal e foi objeto do competente recurso.
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