TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
417 acórdão n.º 90/13 E foi isso que aconteceu no processo Casa Pia. Q) As contradições, incongruências e inverosimilhanças já decorrem das declarações prestadas em audiência de julgamento. Mas aí – através de um tique, de um tom de voz ou de qualquer outra coisa – o tribunal foi encon- trando uma “ressonância de veracidade”, que serviu para condenar A. a sete anos de prisão. Então, a que título é que é possível sustentar que ao arguido A. não é conferido o direito de confrontar tais assistentes e testemunhas – as alegadas vitimas – com a inconsistência que decorre daquilo que disseram antes do julgamento, de forma a avaliar a credibilidade e a subsistência dessa tal “ressonância de veracidade”? Isto, num processo em que a condenação assenta na “ressonância de veracidade” dessas declarações prestadas em audiência de julgamento. R) O entendimento normativo adotado permite que a prova possa ser manipulada pelas alegadas vítimas em des- favor do arguido, ele sim, verdadeira vítima daqueles que o incriminam. Não procede, pois, a argumentação do acórdão recorrido de que o entendimento adotado não desfavorece a defesa em relação à acusação. É que, se assim fosse, admitir-se-ia que a acusação fosse sincronizando a sua mentira, mas impedir-se-ia a defesa de desmascarar a teia que foi construída pela “estratégia da aranha”. S) Deste modo, a tese que se impugna – a de que em nenhuma situação, salvo com o acordo do beneficiário da men- tira, é possível confrontar a testemunha mentirosa (ou, nalguns casos, talvez mitómana) com as suas declarações anteriores que a permitem desmascarar – ultraja o Estado de Direito. Ainda para mais, quando se trata de decla- rações dos assistentes (que desde a primeira hora beneficiaram de um extraordinário regime de proteção adequado ao seu estatuto de vítima) e quando a prova da acusação se resume a tais declarações. E ainda para mais, quando – em função da versão da acusação, que estabelece uma rede que atua em vários locais e durante vários anos – seria de esperar um conjunto sólido de corroborações periféricas das relações estabelecidas entre os arguidos, entre os arguidos e as alegadas vítimas, entre os arguidos e os locais dos supostos abusos, o que não se verificou. 2.ª: A denegação do direito ao recurso da matéria de facto T) O núcleo fundamental do recurso interposto pelo arguido A. do acórdão de 3 de setembro de 2010 teve a ver com a impugnação da matéria de facto relativamente a uma factualidade precisa, identificada em tal recurso, a que se reportam as conclusões P) a Y) do recurso interposto. No que ora releva, a factualidade que interessa é a que diz respeito aos factos dados como provados em relação aos crimes supostamente cometidos na Av. das Forças Armadas, que o acórdão de 3 de setembro de 2010 reporta sob os n. os 106 a 106.22, o que foi devidamente identificado no recurso interposto, designadamente na conclusão Q) , tal como exige o artigo 412.º n.º 3- a) do CPP. U) Quanto às concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida – cuja especificação é obrigatória por força do disposto no artigo 412.º n.º 3- b) do CPP –, a defesa de A. referiu – nas conclusões R) e S) do recurso interposto – que a especificação de tais peças processuais foi feita ao longo da motivação do recurso, designa- damente nos capítulos que são objeto da “Segunda Parte” de tal motivação, organizados pelas diferentes “casas” por que se distribuíam os supostos crimes praticados. Ademais, nas conclusões P) a Y) , identificou a metodo- logia utilizada para justificar a sua tese de que o acórdão recorrido efetuara uma errónea apreciação da prova, particularmente das declarações prestadas por C., E., B., bem como pelo coarguido M.. V) Reportando-nos ao que ora interessa – a impugnação da matéria de facto relativamente aos factos suposta- mente praticados na Av. das Forças Armadas –, a tese da defesa de A. consta do capítulo IV da motivação do s eu recurso, que, sob o título “A casa da Av. das Forças Armadas”, vai de pp. 107 a 260 dessa mesma motivação. Como decorre da leitura dessas páginas, a defesa de A. fez uma apreciação conjunta das provas referentes aos factos relativos à casa da Av. das Forças Armadas, que explicou desde a p. 107 à p. 137, a que se seguiu, em anexo, da p. 138 à p. 260, a transcrição ipsis verbis dos trechos dessa prova em que se fundava. Mais enunciou, a partir de p. 591 do seu recurso, à identificação dos concretos meios de suporte informático utilizados. W) Acontece que o acórdão recorrido adotou um entendimento normativo do artigo 412.º n.º 3 e 4 do CPP, devidamente conjugado com o artigo 417.º n. os 3 e 4 do mesmo CPP, no sentido do qual deve ser rejeitada a
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