TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

415 acórdão n.º 90/13 Tal entendimento normativo é inconstitucional, por violação das garantias de defesa e do direito ao recurso consagrados no artigo 32.º n.º 1 da CRP, bem como do princípio de um processo equitativo previsto no artigo 20.º n.º 4 da CRP, os quais também têm acolhimento na CEDH, nos termos já referidos. Quarta: O acórdão da Relação de Lisboa de 23 de fevereiro de 2012 adota um entendimento normativo relativamente ao artigo 115.º n.º 1 do Código Penal – na redação vigente à data dos factos – no sentido de que o direito de queixa só se extingue no prazo de seis meses a partir do momento em que os ofendidos completem a idade de 16 anos, o que, não estando aí previsto, corresponde, na ótica da defesa, ao exercício de uma aplicação analógica. Tal entendimento normativo é inconstitucional, por força do princípio da legalidade consagrado no artigo 29.º n.º 1 da CRP, que assim foi violado. [Esta última questão é suscitada pelo arguido a contragosto, porque o arguido sempre teve a preocupação vital de demonstrar a sua inocência, o que, tendo procedência essa questão (que, sendo controversa, está suscitada com rigor intelectual), ficaria inviabilizado; porém, os seus advogados, por dever de patrocínio, não podem deixar de colocar, em seu nome, tal questão]. D) A primeira, segunda e quarta questões em apreço haviam sido previamente arguidas, nos termos referidos nos n. os 9, 15 e 28 do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, apresentado a 8 de março de 2012; por outro lado, a terceira questão em referência só foi suscitada nesse mesmo requerimento pela razão enunciada no seu n.º 22. 1.ª: A questão do artigo 356.º do CPP E) No processo da Casa Pia, mesmo considerando uma prática que teria ocorrido durante vários anos, abrangendo um número vasto de abusadores e abusados e localizada numa pluralidade de locais devidamente identificados, um dado é assente: não foi encontrada uma única prova relevante – sublinha-se, uma única prova relevante – que corroborasse as declarações das alegadas vítimas. F) Este pressuposto fundamental – a acusação, a pronúncia e, sobretudo, a condenação de A. assenta exclusi- vamente 22 nas declarações dos jovens supostamente abusados por uma rede informal de pedófilos que usava alunos da Casa Pia (quase todos assistentes, um ou outro testemunha, por ter caducado o direito de queixa), particularmente, no que a ele diz respeito, as declarações de C., B. e E. – decorre inequivocamente do acórdão da 8.ª Vara Criminal de Lisboa, que a Relação de Lisboa confirmou. Aí se pode ler que foi a “ressonância de veracidade” – seja lá o que isso for – que o Tribunal recolheu de tais declarações que levou à condenação do arguido A., ora recorrente. G) Donde a crucial importância das declarações de tais vítimas. E é nesse contexto que assume especialíssima relevância a apreciação do seu discurso durante o inquérito, o que pode decididamente contribuir para uma avaliação fidedigna da credibilidade, congruência e verosimilhança do que disseram em audiência de julgamento. H) Na ótica da defesa de A., as vítimas do processo Casa Pia criaram uma fantasia – consciente ou inconsciente –, que foi construída ao longo do inquérito, em que foram sincronizando discursos de modo a encontrar uma história coletiva para contar. Em função disso, foi organizada toda a defesa, que, logo na contestação, fez questão de sublinhar que uma das suas linhas de orientação tinha exatamente a ver com a demonstração da inquinação da capacidade das alegadas vítimas para efetuarem depoimentos livres e credíveis, o que se sublinhou nos n. os 234 a 239 da contestação. I) Durante o julgamento, a prova produzida confirmou o pressuposto e alicerçou a convicção de que não seria possível reconstituir a verdade material sem confrontar as alegadas vítimas com as versões narradas no inqué- rito, as quais, em pontos essenciais, conflituavam com as suas declarações prestadas em julgamento. Foi nesse contexto que o arguido, através de requerimento exarado na ata da sessão de julgamento de 7 de agosto de 2008, requereu a leitura de declarações prestadas no inquérito por oito assistentes e duas testemunhas (as quais só não eram assistentes porque, quanto a elas, teria caducado o direito de queixa), a que se seguiria o confronto dessas pessoas com tais declarações, a fim de avaliar a credibilidade da sua prestação em julgamento.

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