TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

406 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL II – Segundo vício de inconstitucionalidade: a questão do artigo 358.º do CPP 10. A. foi condenado pela prática de um crime de abuso sexual cometido numa vivenda de Elvas e de dois outros crimes da mesma natureza cometidos num prédio da Av. das Forças Armadas, em Lisboa. Em ambas as situações, a condenação assentou em factualidade diferente daquela que constava da acusação e da pronúncia, o que levou o arguido – no recurso interposto do acórdão de 3 de setembro de 2010 – a arguir a sua nulidade, nos termos que constam das alíneas F) a O) das respetivas conclusões, que a seguir se transcrevem: F) A. foi acusado e pronunciado pela prática de um abuso sexual na pessoa do menor B., de 13 anos de idade, supostamente ocorrido num sábado do último trimestre do ano de 1999, antes do Natal, na vivenda de Elvas (cfr. ponto 6.7.2.1 da pronúncia). G) Foi assim com estupefação que leu, no acórdão recorrido, que o tribunal deu como provado que o crime em apreço teria sido cometido “num dia indeterminado do último trimestre do ano de 1999” (cfr. factos provados sob o n.º 125, 125.1 a 125.8); e, analisando a análise crítica da prova, isso terá decorrido do facto do tribunal ter dado crédito à versão do jovem de que esses abusos teriam ocorrido, nesse período, mas a um dia da semana. H) Isto é, A. foi acusado de ter cometido um crime num sábado indeterminado do último trimestre de 1999; defendeu-se disso mesmo, desde logo com a apresentação de álibis com a contestação, que continuou a sustentar durante o julgamento todavia acabou condenado por ter praticado tal crime nesse período, mas a um dia da semana. I) O acórdão, no segmento em análise, é nulo, irremediavelmente nulo, por força do disposto nos artigos 358.º, 359.º e 379.º n.º 1 -b) do CPP. J) Mas também sofre de idêntico vício a parte do acórdão que se reporta aos crimes atribuídos a A. no prédio da Av. das Forças Armadas. K) Nas situações de abuso supostamente ocorridas na Av. das Forças Armadas, em Lisboa, em qualquer uma das duas situações aí abrangidas, a pronúncia descreve as circunstâncias da ocorrência dos crimes através do enunciado de que “o arguido A.  contactou o arguido M. e pediu-lhe que levasse a uma residência sita na Av. das Forças Armadas (…) dois menores da CPL, afim de os sujeitar à prática de atos sexuais consigo” (1.º situação) e de que “decorridos cerca de um ou dois meses, o arguido A. voltou a contactar com o arguido M., e pediu-lhe novamente que levasse à morada mencionada um menor da CPL, a fim de sujeitar o mesmo à prática de atos sexuais” (cfr. ponto 4.3.1 da pronúncia). L) Em face desses factos, uma das linhos da defesa de A. foi a de demonstrar que não conhecia M., nem nunca, direta ou indiretamente, o teria contactado para o que quer que fosse, o que foi logo dito na contestação e decorre daquilo que se passou na audiência de julgamento; veja-se, por exemplo, a comparação efetuada aos registos de tráfico telefónico de um e de outro, bem como a sistemática impugnação de qualquer ponto por onde se pudesse pretender estabelecer uma ligação que realmente nunca existiu; quando M. – num segmento das suas declarações que mais parecia um momento de uma ópera bufa – pretendeu que a ligação se fazia através do porteiro T., já falecido e reformado desde os anos 80, a defesa de A. fez juntar aos autos a documentação que comprovava o cariz delirante daquela mentira. M) Em relação a ambas as situações, o que o tribunal deu como provado foi que M. levou os menores àquelas moradas para o efeito de serem abusados por A. “por contacto não concretamente apurado” (cfr. factos provados sob os n. os 106 e 106.12). N) Em suma, tendo A. sido condenado com base numa circunstância de modo diferente da que constava da pronúncia – passando a ser considerado que a ligação entre M. e A. se deu “por contacto não concreta- mente apurado”, sendo esse elemento relevante para a defesa, como era –, sem que se tenha procedido à prévia comunicação prevista no artigo 358.º n.º 1 do Código de Processo Penal, o acórdão – nos segmentos em pauta – é igualmente nulo. O) É inconstitucional, por violação do princípio constitucional do acusatório e das garantias de defesa, a eventual interpretação normativa dada ao artigo 358.º n.º 1 do CPP, no sentido de que não tem que ser comunicada ao arguido a alteração do dia em que supostamente teria sido cometido o crime por que

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