TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
403 acórdão n.º 90/13 artigo 356.º do CPC não o permitiria, dado que, perante tal posição processual, em nenhuma situação se poderia proceder à leitura dessas declarações e, por maioria de razão, ao confronto subsequente daquelas pessoas com o teor de tais declarações. 5. Desse despacho foi interposto o competente recurso pelo arguido A. (remetido, por fax, a 13 de novembro de 2008), cujas conclusões eram do seguinte teor: A) As declarações dos jovens ora em causa, prestadas no inquérito, conflituam, em aspetos cruciais, com aquilo que declararam no julgamento, quer quanto aos locais, quer quanto ao envolvimento de terceiros, quer quanto à cronologia dos factos, quer quanto ao circunstancialismo envolvente. B) Não há que escamotear o evidente: neste processo no se pode fazer verdadeira justiça se o tribunal não tiver conhecimento das declarações prestadas pelos jovens em apreço durante o inquérito, de forma a avaliar cabalmente a sua credibilidade, tendo em conta a evolução do seu discurso e a natureza das contradições desse discurso, sendo certo que é consensual, na doutrina científica, que a avaliação dessas contradições é elemento imprescindível para a formulação de um juízo adequado quanto àquela credibilidade. C) O exercício da defesa não pode prescindir da leitura dessas declarações e, quando for o caso, do confronto dos jovens em causa com o teor das mesmas. D) O regime do artigo 356.º do CPP não pode impedir tal leitura, quando se trate de declarações dos assis- tentes ou de testemunhas que igualmente incriminam os arguidos, em processo em que a prova da acusação assenta basicamente nos depoimentos dessas pessoas e quando tais pessoas foram ouvidas na fase de inqué- rito sob a égide do Ministério Público ou sob sua delegação, sempre que isso se revelar fundamental para o exercício da defesa. E) Tais declarações não podem servir para a prova de factos positivos – e nisso se mantém útil o regime do artigo 356.º do CPP –, mas podem ser utilizadas para avaliar da credibilidade de quem imputa factos cri- minosos a arguidos de um processo, cuja prova fundamental assenta precisamente nos depoimentos dessas pessoas, sob pena de se ofender o núcleo essencial das garantias de defesa e o princípio de um processo equitativo, tal como a CRP e CEDH salvaguardam. F) Foi nesse contexto que o arguido requereu, ao abrigo do artigo 340.º do CPP, interpretado em consonância com o artigo 32.º n.º 1 da CRP e com o artigo 6.º n.º 1 da CEDH, o seguinte: a) A leitura das declarações prestadas no inquérito pelos assistentes L., E., C., K., S., B., J., N. e pelas testemunhas O. e P., tendo em conta que, durante o julgamento, descreveram factos que, direta ou indiretamente, incriminam o arguido A. em termos que devem ser avaliados considerando aquilo que de substancialmente diferente disseram no inquérito, deforma a que possa ser cabalmente avaliada a credibilidade da sua prestação; b) Efetuada tal leitura, devem os jovens acima referidos ser confrontados com as declarações prestadas em inquérito que, em matéria substancialmente relevante, conflitua com o que disseram em julgamento, de forma a avaliar a credibilidade das declarações prestadas em julgamento; c) Caso o Tribunal entenda que o deferimento do pedido depende da identificação concreta de todas essas contradições, requer-se que seja concedido prazo de 10 dias para o efeito. G) Nenhum dos arguidos se opôs à leitura das declarações ora em causa. Mas os assistentes opuseram-se expressamente a essa leitura e o Ministério Público pugnou pelo indeferi- mento do requerido. H) Tal requerimento foi indeferido pelo despacho ora recorrido. Aí se reconhece que o regime do artigo 356.º do CPP constitui uma garantia de defesa do arguido, mas, ainda assim, lendo os assistentes expressamente recusado o consentimento para as leituras em causa, entende-se que tal leitura não pode ter lugar por força no disposto no artigo 356.º n. os 2 e 5, devidamente conjugado com o artigo 355.º n.º 1, todos do CPP. I) Estamos perante a questão processual mais grave destes quatro anos de julgamento. J) O acesso a essas declarações é imprescindível para se fazer a prova da inquinação das suas memórias e do processo deformação da sua vontade.
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