TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

402 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 236. Mas há um dado cuja prova não se dispensa de fazer em julgamento: a metodologia utilizada pela investigação na abordagem destas alegadas vítimas violou objetivamente as regras técnicas que devem presidir à inquirição e ao exame de menores abusados sexualmente. E isso inquinou irremediavelmente a sua capacidade para depor. 237. E o que resulta do seguinte: a) Realização de inquirições policiais desacompanhadas de pessoal técnico especializado e sem gravação de qualquer espécie, o que facilitou a existência de influências sugestivos ou persuasivas, mesmo inad- vertidas; b) Falta de acompanhamento das motivações dos jovens, que não foram indagadas; c) Inexistência de valoração das influências mediáticas, que não foram consideradas; d) Aceitação de “memórias recuperados” como se fossem genuínos; e) Sincronização dos discursos de modo a encontrar uma história coletiva para contar; f ) Manifesta falta de avaliação dos meios familiares e sociais onde os jovens estavam inseridos. 238. No que diz respeito às perícias de personalidade médico-legais, é especialmente grave que tenha ocorrido o seguinte: a) Atribuição da sua realização a uma pessoa sem currículo nem experiência para a função, como decorre da circunstância de se tratar de uma recém licenciada e do facto de nunca até então ter realizado uma perícia a uma vítima de abuso sexual para fins de um processo de natureza criminal (como é reconhecido pela própria); b) Prática dos erros assinalados nas alíneas b) a f ) do número anterior; c) Completo desconhecimento das inquirições anteriormente efetuados no âmbito policial, de forma a poder avaliar a sua influência no discurso dos jovens; d) Ausência de meios de controlo de validade das declarações prestadas, através dos quais o respetivo conteúdo seja reobservado tendo em atenção o grau de sugestibilidade da criança e adolescente, a sua história sexual e a consistência do relato clínico; e) Inclusão de valorações psicológicas sem referência aos motivos que as expliquem; f ) Omissão de verificação da capacidade de julgamento moral dos examinados, bem como ausência de análise da coerência interna e externa dos seus relatos; g) Confusão entre credibilidade e veracidade; h) Não esclarecimento acerca dos critérios adequados para a formulação de um diagnóstico de personali- dade antissocial, bem como acerca da sua verificação ou não relativamente aos examinados; i) Não realização de contraprovas aos testes efetuados; j) Incapacidade de análise da estrutura de funcionamento dos jovens, que foi omitida; k) Uniformização dos sujeitos objeto das perícias, que são, nas suas conclusões, basicamente idênticas. 239. Perante tantos e tão extraordinários erros e omissões – para o que não se encontra uma explicação razoável – está irremediavelmente inquinada ou comprometida a capacidade das alegadas vítimas para efetua- rem depoimentos livres e credíveis, os quais terão de ser valorados à luz desta factualidade. 4. Durante o julgamento, a prova produzida confirmou o pressuposto e alicerçou a convicção de que não seria possível reconstituir a verdade material sem confrontar as alegadas vítimas com as versões narradas no inquérito, as quais, em pontos essenciais, conflituavam com as suas declarações prestadas em julgamento. Isto é, as declarações das vítimas em que se fundava a acusação divergiam – em aspetos essenciais – das decla- rações prestadas em julgamento, com base nas quais se pretendia a condenação! Foi nesse contexto que o arguido, através do requerimento de fls. 55 220 a 55 223, requereu a leitura de declarações prestadas no inquérito por oito assistentes e duas testemunhas (as quais só não eram assistentes porque, quanto a elas, teria caducado o direito de queixa), a que se seguiria o confronto dessas pessoas com tais declarações. O Tribunal – através de despacho lavrado na ata da audiência de 22 de outubro de 2008, disponível a 24 de outubro (a fls. 60 474 e segs.) – indeferiu o pedido por entender que – em face da oposição dos assistentes – o

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