TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

401 acórdão n.º 90/13 12.º Infelizmente, entre nós, abundam leituras puramente formais da lei, que, a um tempo, favorecem os mais graves infratores e, a outro, vitimam os que se batem pela demonstração da sua inocência. 13.º In casu , sacrificam um inocente que, há oito anos, luta por demonstrar que não praticou os factos de que está acusado e que não conhecia as alegadas vítimas de abuso sexual, nem os restantes arguidos, nem os locais dos supostos abusos, nada tendo a ver com a factualidade dos autos, a que é completamente alheio. 14.º Hoje, pergunta-se, angustiado e descrente, se viverá para ver reconhecida a justiça a que tem direito.» O arguido A. interpôs também recurso, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) , da LTC, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 23 de fevereiro de 2012, para o Tribunal Cons- titucional, nos seguintes termos: «I – Primeiro vício de inconstitucionalidade: a questão do Artigo 356.º do CPP. 1. Todos sabemos como é difícil a prova num caso de abuso sexual em que apenas podemos confrontar a versão da vítima com a do abusador, ainda para mais, quando, muitas vezes, entre ambos, há um relacionamento familiar e um convívio no mesmo espaço a que mais ninguém tem acesso. Porém, nada disso é o que acontece no processo da Casa Pia. Aqui, estamos perante uma acusação fundada numa rede informal de abusadores, que atuariam: i) em conjunto e em colaboração de esforços; ii) participando frequentemente em festas sexuais com uma pluralidade de vítimas; iii) utilizando sempre um angariador identificado, M.; iv) recorrendo a casas habitadas, em malhas urbanas igual- mente habitadas, devidamente localizadas. Tal contexto haveria de permitir uma prova sólida, rodeada de corroborações periféricas de caráter objetivo, que permitisse estabelecer traços de relacionamento e de concertação. Todavia, no processo da Casa Pia, mesmo considerando uma prática que teria ocorrido durante vários anos, abrangendo um número vasto de abusadores e abusados e localizada numa pluralidade de locais devidamente identificados, um dado é assente: não foi encontrada uma única prova – sublinha-se, uma única prova – que cor- roborasse as declarações das alegadas vítimas. 2. Daí a enorme e crucial importância das declarações das vítimas. Todos sabemos que as contradições do discurso, as faltas de memória, o esquecimento de circunstâncias acessó- rias, os equívocos temporais e espaciais existem nas declarações verdadeiras e, num certo sentido, até as credibilizam. Porém, todos também sabemos que a natureza das declarações pode evidenciar a sua falta de credibilidade. Seja por- que revelam um discurso ilógico sem explicação plausível, seja porque falta a prova circunstancial que seria razoável esperar que existisse, seja porque encerram ambiguidades, oscilações e contradições que, pela sua índole, gravidade, número e encadeamento, revelam que o depoimento tem uma nula ou baixíssima probabilidade de relatar a verdade. Tais critérios são universais e impõem-se à consciência de quem respeita a presunção de inocência e os outros valores do Estado de Direito. Dir-se-ia mesmo que se impõem à consciência de qualquer homem justo. 3. Na ótica da defesa de A., as vítimas do processo Casa Pia criaram uma fantasia – consciente ou inconsciente –, que foi construída ao longo do inquérito, em que foram sincronizando discursos de modo a encontrar uma história coletiva para contar. Em função desse pressuposto, foi organizada toda a defesa, que, logo na contestação, fez questão de sublinhar que uma das suas linhas de orientação tinha exatamente a ver com a demonstração da inquinação da capacidade das alegadas vítimas para efetuarem depoimentos livres e credíveis, o que se sublinhou nos n. os 234 a 239 da con- testação, que a seguir se transcrevem: 234. Aqui chegados, facilmente se conclui que a história deste autos se resume ao depoimento de meia dúzia de alegadas vítimas e à como elas manipularam ou foram manipulados de forma a acusar o arguido, que não os conhece, nem manteve com qualquer delas nenhum tipo de relação. 235. O arguido não tem uma resposta que explique as motivações subjacentes a tão sinistro comporta- mento, resulte ele de sugestão, de inquinação, de efabulação, de pura perversidade, ou de qualquer outra causa. Mas também não lhe cabe fazer essa indagação para o que não tem meios.

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