TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
39 acórdão n.º 230/13 2. Dissenti, por entender que o direito de acesso aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1, da CRP), direito fundamental correlacionado com a reserva da função jurisdicional, não é garantido apenas através do acesso aos tribunais do Estado. O artigo 209.º, n.º 2, prevê a existência de tribunais arbitrais como uma categoria de tribunais, que se “constituem precisamente para exercer a função jurisdicional” (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 230/86, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) . Embora não se enquadrem na definição de tribu- nais enquanto órgãos de soberania e não sejam órgãos do Estado, “nem por isso podem deixar de ser quali- ficados como tribunais para outros efeitos constitucionais, visto serem constitucionalmente definidos como tais e estarem constitucionalmente previstos como categoria autónoma de tribunais” (Acórdão n.º 230/86). Os tribunais a que se refere o artigo 20.º, n.º 1, da CRP não são apenas os tribunais estaduais, entendimento já sufragado pelo Tribunal nos Acórdãos n. os 250/96 e 506/96, onde se lê que “pode mesmo dizer-se que o tribunal arbitral, como tribunal que é, faz parte da própria garantia de acesso ao direito e aos tribunais” (dis- poníveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . Para efeito do disposto no artigo 20.º da CRP, “tutela jurisdicio- nal não significa o mesmo que tutela judicial. No nosso ordenamento, há diferentes categorias de tribunais ou de ordens de jurisdição” (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional , tomo IV, Coimbra Editora, p. 325, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, C onstituição Portuguesa Anotada , tomo I, 2.ª edição, Wolters Kluwer/ Coimbra Editora, anotação ao artigo 20.º, ponto X. E, ainda, tomo III, anotação ao artigo 202.º, ponto III). Ponto é que os tribunais sejam órgãos independentes e imparciais (e nos presentes autos não foi questionada a conformidade constitucional de normas relativas a aspetos organizativos do TAD, ao estatuto dos árbitros que o integram e ao regime processual aplicável às providências cautelares) e seja respeitada a reserva de tri- bunal judicial (por exemplo, a que decorre do artigo 27.º, n.º 2, da CRP). 3. Numa ordem constitucional onde não vale o princípio do monopólio estadual da função juris- dicional, a criação do TAD não tem o sentido de atribuir “uma autonomia plena à jurisdição desportiva”, porquanto se trata de uma “entidade jurisdicional independente” da denominada “justiça desportiva” (artigo 1.º, n.º 1, do Anexo), à qual o Estado, por lei da Assembleia da República, em matéria de organização e com- petência dos tribunais [artigo 165.º, n.º 1, alínea p) , da CRP], atribuiu a função de controlo jurisdicional de mérito do exercício dos poderes de autoridade delegados nas federações, em outras entidades desportivas e ligas profissionais. Tal ocorre tendo em vista a tutela jurisdicional efetiva, por tal criação se justificar por razões de celeridade, especialização e uniformização, sem que haja uma qualquer demissão do dever estadual de controlo do exercício daqueles poderes. O que se torna particularmente evidente também por ficar salva- guardada, em todos os casos, a possibilidade de impugnação da decisão (junto de tribunais estaduais) com os fundamentos e nos termos previstos na Lei da Arbitragem Voluntária (artigo 8.º, n.º 3, do Anexo). O TAD não é um tribunal estadual, mas porque surge em “ virtude de um ato legislativo e não como resultado de um negócio jurídico privado de direito privado”, é irrecusável o seu “carácter tipicamente publi- cístico” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 52/92, disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) e a marca da criação estadual. – Maria João Antunes Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República , I Série, de 9 de maio de 2013. 2 – Os Acórdãos n . os 52/92, 757/95 e 262/98 estão publicados em Acórdãos , 21.º, 32.º e 39.º Vols., respetivamente.
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