TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

35 acórdão n.º 230/13 A criação de umTribunal Arbitral do Desporto surge justificada pela «necessidade de o desporto possuir um mecanismo alternativo de resolução de litígios que se coadune com as suas especificidades de justiça célere e especializada». É, todavia, questionável, à luz do princípio da necessidade (como pressuposto material da restrição legí- tima de direitos, liberdades e garantias), que a prossecução desse objetivo, para além da submissão imediata dos litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo a um tribunal arbitral, justifique também a própria exclusão do recurso para um tribunal estadual, tendo em consideração que a justiça desportiva con- templa tradicionalmente o caso julgado desportivo, que permite, relativamente aos litígios emergentes dos atos dos órgãos das federações desportivas, que fiquem sempre «salvaguardados os efeitos desportivos entre- tanto validamente produzidos ao abrigo da última decisão da instância competente na ordem desportiva», que está hoje consagrado no artigo 18.º, n.º 1, da Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, e que é também reconhecido pelo n.º 5 do artigo 8.º do Decreto n.º 128/XII em relação à ação de impugnação da decisão arbitral. Esta circunstância impede naturalmente que a eventual demora na resolução definitiva do litígio, pro- vocada pela intervenção de um tribunal estadual em sede de recurso, produza quaisquer efeitos negativos na organização e funcionamento das provas desportivas que às federações desportivas cabe especialmente dirigir e regulamentar. Mas ainda que assim não fosse, o risco de protelamento da resolução de litígios no âmbito da justiça desportiva sempre ocorreria em consequência da possibilidade de recurso para o Tribunal Consti- tucional e de impugnação da decisão arbitral, a que se refere o n.º 3 daquele artigo 8.º A solução mostra-se também excessiva e desrazoável quando é certo que o interesse de celeridade, uni- formidade e eficiência que se pretende assegurar, tem a desvantajosa consequência de limitar o direito de acesso aos tribunais estaduais, em via de recurso, numa matéria em que está em causa o controlo jurisdicional da legalidade de atos administrativos, incluindo atos sancionatórios, e, portanto, a própria verificação da atuação das federações desportivas segundo um regime de direito administrativo. Sendo que a relevância dos interesses em jogo, que poderão justificar a medida, se encontram já sufi- cientemente salvaguardados, quer pelo mecanismo da arbitragem necessária, que obriga a uma apreciação do litígio no âmbito do tribunal arbitral, quer por via do já falado caso julgado desportivo, que impede a invalidação de efeitos desportivos que resultem de decisões proferidas na ordem interna. Poderá assim entender-se que a norma impugnada, no segmento em que proíbe o recurso para um tri- bunal estadual, viola o direito de acesso aos tribunais quando entendido em articulação com o princípio da proporcionalidade, nas referidas vertentes de necessidade e justa medida. 15. Todas as precedentes considerações não ficam prejudicadas pela ressalva, expressamente contem- plada no n.º 3 do artigo 8.º do Anexo ao Decreto n.º 128/XII, da «possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e de impugnação da decisão arbitral com os fundamentos e nos termos previstos na LAV». Por um lado, o recurso para o Tribunal Constitucional é sempre restrito a uma questão de constitucio- nalidade, que consiste em saber se uma norma aplicável a uma causa pendente é ou não inconstitucional, limitando-se, por isso, à apreciação de uma questão jurídico-constitucional, que poderá resultar da aplicação pelo tribunal arbitral de norma que tenha sido arguida de inconstitucionalidade ou de recusa de aplicação de norma por motivo de inconstitucionalidade. Além de que o recurso cabe de todos os órgãos constitucionalmente considerados como tribunais, incluindo os tribunais arbitrais (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Ano- tada, vol. II, p. 942). Sendo, aliás, irrelevante que o artigo 8.º, n.º 3, do Anexo ao Decreto n.º 128/XII contemple o recurso de constitucionalidade, porquanto essa é uma garantia que se encontra expressamente prevista na Constituição (artigo 280.º, n.º 2) e em lei de valor reforçado [artigo 70.º, n.º 1, alíneas a) , b) , g) e h) , da Lei do Tribunal Constitucional], e que será sempre invocável independentemente da sua específica previsão na Lei que regula o Tribunal Arbitral do Desporto.

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