TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
349 acórdão n.º 78/13 A recorrente, numa segunda linha de argumentação, alega que a moldura legal da coima é manifesta- mente excessiva, relativamente às consequências da infração, pelo que viola o princípio da proporcionalidade. O n.º 2 do artigo 113.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, na redação aplicada pela decisão recorrida, prevê a aplicação de uma coima entre € 5 000 e € 5 000 000. O Tribunal Constitucional tem reconhecido ao legislador ordinário uma livre e ampla margem de decisão quanto à fixação legal dos montantes das coimas a aplicar (ver Acórdãos n.º 304/94, n.º 574/95, n.º 547/00, 67/11 e 132/11, todos disponíveis i n www.tribunalconstitucional.pt ) , ainda que ressalvando que tal liberdade de definição de limites cessa em casos de manifesta e flagrante desproporcionalidade. Se é verdade que a moldura sancionatória em causa se situa em valores muito elevados, há que ter pre- sente que o cumprimento do dever em causa é essencial à supervisão e fiscalização de um setor de extraor- dinária relevância social, sendo certo que estas coimas se aplicam apenas a pessoas coletivas e que na área das comunicações operam empresas de enorme dimensão económica (o rendimento anual das empresas do setor nos últimos anos têm atingido cerca de 5% do PIB, segundo dados constantes do Anuário do Setor das Comunicações, edição de 2012 da Anacom, que pode ser consultado em www.anacom.pt , ). Além disso, há que ter em conta que pode ocorrer a atenuação especial da punição quando se verifiquem circunstâncias que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade de sanção, sendo, nesses casos, os limites da coima reduzidos a metade (artigo 18.º, n.º 3, do Regime Geral das Contraorde- nações). Apesar das recentes alterações introduzidas na Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, pela Lei n.º 51/2011, de 13 de setembro, terem reduzido substancialmente os limites mínimo e máximo das coimas aplicáveis a esta contraordenação [a previsão passou a ter como limite mínimo € 1 000 e máximo € 1 000 000 – artigo 113.º, n.º 2, alínea mm) e n.º 7], face às ponderações acima efetuadas não é possível afirmar, num critério de evidência, que a anterior moldura legal das coimas prevista para a violação de deveres de informação à Autoridade reguladora do setor e que foi aplicada pela decisão recorrida seja manifestamente excessiva, por se revelar flagrantemente desproporcionada relativamente à infração sancionada. Finalmente, a recorrente alega que a moldura legal da coima é demasiado abrangente, violando por isso o princípio da legalidade. Num Estado de direito democrático a prevenção do crime deve ser levada a cabo com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, estando sujeita a limites que impeçam intervenções arbitrárias ou excessivas, nomeadamente sujeitando-a a uma aplicação rigorosa do princípio da legalidade, cujo con- teúdo essencial se traduz em que não pode haver crime, nem pena que não resultem de uma lei prévia, escrita e certa ( nullum crimen, nulla poena sine lege ). É neste sentido que o artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, dispõe que ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior. Não se pode afirmar que as exigências deste princípio valham no direito de mera ordenação social com o mesmo rigor que no direito criminal. Aliás nem sequer existe no artigo 29.º da Constituição, que se refere às garantias substantivas do direito criminal, um preceito semelhante àquele que existe no artigo 32.º, a respeito das garantias processuais, alargando-as, com as necessárias adaptações, a todos os outros processos sancionatórios (artigo 32.º, n.º 10). Contudo, sendo o ilícito de mera ordenação social sancionado com uma coima, a qual tem repercussões ablativas no património do infrator, também aqui se devem respeitar os princípios necessariamente vigentes num Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição), como os da segurança jurídica, da proteção da confiança e da separação de poderes (vide, neste sentido, os Acórdãos n.º 41/04 e 397/12, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . O problema que neste caso é colocado é o de uma eventual violação do princípio da legalidade pela excessiva amplitude existente entre a medida mínima e a medida máxima da coima. Em última análise, a excessiva amplitude tornaria imprevisível a sanção e transferiria incontrolavelmente para o aplicador da lei
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