TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
337 acórdão n.º 75/13 e 5 do artigo 20.º do RJVFV. Com efeito, a imposição daqueles prazos legais para tratamento de veículos em fim de vida não impossibilitou a recorrente, integral e definitivamente, de exercer a sua atividade económica. Quando muito condicionou alguns aspetos do modo de organização e de exercício da mesma, diminuindo os respetivos dividendos lucrativos. Mas tal condicionamento – com vista à proteção de outros valores cons- titucionais, como o direito ao ambiente (artigo 66.º, n.º 1, da CRP) – não interfere com o “núcleo essencial” daquele direito fundamental, que poderia ser equiparado à “dimensão negativa” típica de um direito de liberdade. Aliás, ao definir a esfera de proteção normativa do “direito à livre iniciativa privada”, a Constituição fixa-lhe um “limite explícito”, que corresponde ao respeito pelos “quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral” (artigo 61.º da CRP). Ora, conforme já demonstrado pelo Acórdão n.º 304/10, a sujeição do “direito à iniciativa privada” àquela “tripla reserva” encontra eco no próprio Direito Constitucional Comparado e demonstra que a própria Lei Fundamental delimita aquele direito fundamen- tal em função do “interesse geral” e de outros valores constitucionalmente protegidos como, neste caso, o direito ao ambiente (artigo 66.º, n.º 1, da CRP) e, em última instância, os direitos à saúde (artigo 64.º, n.º 1, da CRP), à proteção da integridade física (artigo 25.º, n.º 1, da CRP) e à própria vida (artigo 24.º, n.º 1, da CRP), que poderiam ficar comprometidos pelo inadequado tratamento de resíduos perigosos. Por conseguinte, não estando em causa o “núcleo essencial” daquele direito fundamental – único que seria passível de qualificação como “direito análogo” –, não se verifica qualquer exigência de respeito pela reserva de competência legislativa parlamentar fixada pela alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º, razão pela que as normas que constituem objeto do presente recurso não padecem de inconstitucionalidade orgânica. 7. Quanto à alegada inconstitucionalidade material, invoca a recorrente que a fixação de prazos reduzidos para prática de “operações de despoluição”, fixado em 8 (oito) dias (artigo 20.º, n.º 4, do RJVFV), e de “operações de reutilização e de reciclagem”, fixado em 45 (quarenta e cinco) dias (artigo 20.º, n.º 4, do RJVFV) configuraria uma restrição desproporcionada do “direito à iniciativa privada”. Tendo em conta a caracterização supra levada a cabo, impõe-se relembrar que tal direito fundamental não goza do regime específico dos “direitos, liberdades e garantias” e, em especial, do previsto no n.º 2 do artigo 18.º da CRP. Conforme já supra se demonstrou, tal direito fundamental encontra, aliás, um limite imanente no respeito pela Constituição, pela lei e pelo interesse geral (artigo 61.º, n.º 1, da CRP). É, portanto, a própria Constitui- ção que faz depender a liberdade de iniciativa privada do respeito por outros valores constitucionais que com ela possam concorrer. Ora, neste caso, quer o Direito da União Europeia [vide Diretiva 2000/53/CE], quer a Constituição, quer a lei, quer o interesse geral determinam a necessidade de acautelar a recolha e tratamento dos veículos em fim de vida, cujos componentes se podem revelar nocivos para o ambiente e para a saúde pública. Acresce ainda que a Constituição comete ao Estado deveres de proteção do ambiente [artigos 9.º, alínea e) , e 66.º, n.º 1, da CRP] e da saúde pública [artigos 9.º, alínea d), e 64.º, n.º 1, da CRP], que se traduzem quer em regimes de licenciamento de determinadas atividades económicas, quer em regimes de controlo administrativo dessas mesmas atividades. Nessa perspetiva, o próprio “direito à livre iniciativa privada” pres- supõe que tais missões do Estado e das demais pessoas coletivas públicas sejam devidamente acauteladas. Reforçando esta ideia, o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de demonstrar, recentemente, no Acórdão n.º 557/11 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ) , em que se apreciou recurso relativo a contraordenação aplicada ao abrigo, precisamente, do RJVFV, que a proteção do ambiente impõe e justifica a imposição de sanções contraordenacionais pela violação de normas de conduta destinadas à recolha e tratamento de veículos em fins de vida: « Afigurando-se inquestionável a adequação e exigibilidade da sanção contraordenacional como medida con- tra atuações que infringem regras destinadas a proteger bens jurídicos ambientais, o que aqui se pode discutir é a proporcionalidadeem sentido estrito (ou princípio da justa medida) no estabelecimento daquele limite mínimo
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