TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

332 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 13. Desta forma, verifica-se que um dos limites de toda uma política de ambiente, orientada pela Lei de Bases do Ambiente e assente na Constituição, é precisamente o desenvolvimento económico e social, na ótica da prote- ção do meio ambiente não poder ser assumida como um objetivo absoluto mas, pelo contrário, dever ser realizada através de um justo equilíbrio entre a referida proteção e a vida económica e social. 14. In casu , a recorrente foi condenada na infração prevista e punida nos termos do artigo 20.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 64/2008, de 08 de abril. 15. Estabelece o referido artigo 20.º, n.º 5, que tem como epígrafe “Operadores de desmantelamento e de fragmentação”: “Os operadores de desmantelamento ficam obrigados a realizar as operações descritas no n.º 2.2 do anexo iv imediatamente após a receção de VFV, em todo o caso nunca excedendo o prazo de 45 dias úteis.” 16. A gestão de VFV compreende a reciclagem e reutilização de alguns componentes, designadamente, a “remoção de todos os componentes suscetíveis de reutilização como peças em segunda mão, quando técnica e economicamente viável; remoção dos catalisadores; remoção dos componentes metálicos que contenham cobre, alumínio e magnésio, se esses metais não forem separados no ato de fragmentação; remoção de pneus; remoção de grandes componentes de plástico (por exemplo, para-choques, painel de bordo, reservatórios de fluidos, etc.) se estes materiais não forem separados no ato de fragmentação; remoção dos vidros”, cfr. anexo IV, 2.2, do Decreto- -Lei 64/2008. 17. Ora, caso não sejam removidas as referidas peças, o objetivo de reutilização e valorização de componentes automóveis é totalmente gorado, o que acarreta como é óbvio reflexos nefastos no meio ambiente. 18. Acontece que, o legislador estabeleceu o prazo de 45 dias após a entrada do veículo da unidade de gestão de VFV para que os operadores efetuem a remoção dos componentes respetivos para a reutilização, de acordo com o disposto no artigo 20.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 64/2008. 19. Em virtude deste prazo, verifica-se que o operador de gestão de resíduos tem precisamente 45 dias para: (1) encontrar compradores de determinados componentes reutilizáveis e (2) se encontrar comprador, dentro do mesmo prazo, deve remover os referidos componentes. 20. In praxis , o respeito integral destes 45 dias leva a que seja inviável economicamente a reciclagem e reutili- zação de componentes automóveis. 21. Ao não serem removidos determinados componentes reutilizáveis e valoráveis, por força da compressão imposta por aquele prazo e por nesse prazo não ser técnica e economicamente fazê-lo, há um evidente obstáculo ao princípio da reutilização e valorização, prejudicando pois o ambiente – paradoxalmente (des)protegido por este Decreto-Lei, pela Lei de Bases do Ambiente e pela Constituição da República. 22. Veja-se a missiva junta aos autos na fase de julgamento, enviada pela VALORCAR (entidade de gestão de VFV) à Agência Portuguesa do Ambiente, em que se foca precisamente o desajustamento do referido prazo de 45 dias, na medida em que “prejudica o princípio de promoção da reutilização e o desempenho económico dos operadores de desmantelamento.” 23. De facto, da ponderação entre o bem jurídico afetado pela restrição (o direito ao ambiente e o princípio da reutilização e da valoração de componentes automóveis – artigo 66.º, n.º 1 da Constituição e artigo 20.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 64/2008, de 8 de agosto, respetivamente) e o direito ambiente não resulta que o prazo de 45 dias para que o operador de resíduos efetue a remoção dos componentes reutilizáveis e valoráveis seja uma medida exigível. 24. Em suma, parece evidente à recorrente que se está perante uma ilegalidade e inconstitucionalidade deste prazo de 45 dias previsto no artigo 20.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 264/2008 por violação do princípio da reutili- zação e valoração de componentes automóveis previsto no artigo 20.º, n.º 2 do mesmo diploma legal e do direito ao ambiente previsto no artigo 66.º, n.º 1 da CRP.” (fls. 548 a 553). (…)»

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