TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

331 acórdão n.º 75/13 2. O Estado condiciona a organização e gestão da atividade de operador de gestão de resíduos, uma vez que obriga à despoluição do VFV no prazo máximo de, imagine-se, 8 dias; e obriga à remoção de componentes reutili- záveis no período máximo de 45 dias – ultrapassado este prazo, todos os componentes recicláveis e valoráveis têm de seguir para fragmentação. 3. A haver limitações ao direito à livre iniciativa privada, estas sempre devem estar sujeitas (1) à reserva de lei formal; (2) à existência e salvaguarda de outro princípio, direito ou interesse igualmente defensável; e (3) ao prin- cípio da proporcionalidade. 4. Quanto à reserva de lei formal, verifica-se desde já que de acordo com o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 64/2008, a aprovação deste diploma legal ocorreu nos termos do artigo 198.º, n.º 1 da CRP, ou seja, não estamos perante uma Lei, como é evidente, nem tão-pouco perante um Decreto-Lei autorizado. Há por isso inconstitucionalidade formal. 5. Estes prazos não beliscam ou salvaguardam o direito ao ambiente, pelo contrário. 6. Em relação ao prazo de 8 dias, verifica-se que inexistindo esse prazo ou, na pior das hipóteses, existindo um prazo substancialmente alargado, os fluidos do VFV seriam igualmente removidos, sem com isso obrigar o operador de resíduos a laborar de forma intensiva, retirando muitas das vezes trabalhadores das áreas de remoção de componentes reutilizáveis para a despoluição dos referidos VFV. 7. Já quanto ao prazo de 45 dias, arrisca-se a recorrente a referir que própria estipulação de um prazo consubs- tancia efetivamente uma violação do direito ao ambiente – não há pois qualquer concordância prática, na medida em que face ao período de 45 dias legalmente previsto, grande parte dos componentes que podiam ser reutilizados e valorizados nunca serão sequer removidos dos VFV, seguindo com estes para a fragmentação, prejudicando dessa forma uma maior geração de receitas (direito à iniciativa privada) e o principio da reutilização (direito ao ambiente). 8. Em relação ao terceiro requisito (princípio da proporcionalidade), parece à recorrente que o seu sub-prin- cípio da adequação está desrespeitado. Parece desrazoável, prejudicando por isso a efetivação do sub-princípio da adequação, que o legislador imponha prazos, ainda para mais de tal forma curtos, que limitam em excesso o direito à livre iniciativa privada, sem com isso beneficiar (pelo contrário) o direito ao ambiente. 9. Desta forma, entende a recorrente que o prazo de 8 dias previsto no artigo 20.º, n.º 4 do DecretoLei n.º 64/2008, assim como o prazo de 45 dias previsto no artigo 20.º, n.º 5 do mesmo diploma legal, por serem desproporcionalmente limitativos, são inconstitucionais por violação do direito à livre iniciativa privada. 10. A Constituição normativizou o ambiente em duas dimensões distintas: uma primeira, a que podemos chamar de vertente patológica, relativa ao direito de promover a cessação ou perseguição judicial das infrações ambientais e ao direito do lesado exigir a respetiva indemnização; e uma segunda dimensão, com uma vertente não-patológica, em que se está perante um direito social constitucionalizado, exigindo-se que haja não só uma limitação ecológica à liberdade individual, mas também que exista uma evidente e necessária concordância prática entre os valores de proteção do ambiente e os valores inerentes à liberdade económica e propriedade privada – cfr. Maria Adelaide T. de Menezes C. Leitão, “O planeamento administrativo e a tutela do ambiente”, Revista da Ordem dos Advogados, 1, 1996, pp. 32 e 33. 11. Ora, o que se pretende com a referida segunda dimensão, em especial ao nível da concordância prática, é que haja a prossecução de um desenvolvimento económico sustentável. De facto, nos termos do artigo 66.º, n.º 2 da CRP, incumbe ao Estado português, com o envolvimento e participação dos cidadãos, a defesa do ambiente “no quadro de um desenvolvimento sustentável”. 12. De forma a desenvolver e concretizar os princípios e normas constitucionais, o legislador aprovou a Lei n.º 11/87, de 7 de abril, vulgarmente designada de Lei de Bases do Ambiente. Também na Lei de Bases do Ambiente se estabelece a concordância prática entre a conservação da natureza e a prossecução de políticas de crescimento económico. Nestes termos, veja-se o artigo 3.º, alínea b) que refere, no âmbito do princípio do equilíbrio, que se devem criar “os meios adequados para assegurar a integração das políticas de crescimentos económico e social e de conservação da natureza, tendo como finalidade o desenvolvimento integrado, harmónico e sustentável”.

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