TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
33 acórdão n.º 230/13 À partida, as questões relativas a atos administrativos que podem ser objeto de arbitragem são as que se referem a atos que possam ser revogados por razões de mérito, conveniência ou oportunidade e relativamente aos quais existe, por parte da Administração, um “poder administrativo de disposição sobre a vida do ato” (Pedro Gonçalves, ob. cit., p. 578). Certo é que o regime jurídico de arbitragem em matéria tributária, aprovado pela Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, confere competência aos tribunais arbitrais para apreciação da declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, de atos de fixa- ção da matéria tributável quando não deu origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais (artigo 2.º). Admitindo assim o controlo, através de arbitragem, da legalidade de atos da Administração Tributária, independentemente de poder tratar-se de atos juridicamente vinculados. Além de que acolhe, como regra geral, a irrecorribilidade da decisão proferida pelos tribunais arbitrais (artigo 25.º). Trata-se aí, em todo o caso, de uma forma de arbitragem voluntária. A solução preconizada no artigo 4.º do Anexo ao Decreto n.º 128/XII distingue-se, no entanto, de qual- quer das previstas, quer no artigo 180.º, n.º 1, alínea c) , do CPTA, quer na Lei n.º 10/2011. Prevê a arbitra- gem necessária como único meio de resolução dos litígios e não contém qualquer exceção relativamente aos atos administrativos que poderão ser objeto de apreciação em tribunal arbitral, na medida em que abrange todos os atos praticados no exercício de poderes de autoridade, incluindo os atos sancionatórios, para que reserva apenas um meio interno de impugnação. Ora, a delegação de poderes públicos numa entidade privada apenas significa que esta, por um processo de transferência de responsabilidades, passa a ser uma instância de execução de uma função pública, e no exercício da qual se impõe a vinculação ao direito administrativo e a procedimentos de fiscalização pública. Não estamos perante a execução de uma tarefa que tenha passado para o setor privado, mas que se mantém como tarefa pública e que continua a ser da responsabilidade última do Estado. A concessão ou delegação de poderes públicos corresponde assim a uma forma de prossecução de ati- vidades de interesse público, de que o Estado é o titular originário, e relativamente às quais assume uma posição institucional de garante (sobre todos estes aspetos, Pedro Gonçalves, ob. cit., pp. 391-392). Por outro lado, a sujeição de entidades privadas com poderes públicos à jurisdição administrativa resulta da competência-regra fixada no artigo 212.º, n.º 3, da Constituição, que remete para os tribunais administrativos o julgamento de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, e está expressamente consignada no artigo 4.º, n.º 1, alínea d) , do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF). E, assim, sem embargo da eventualidade da arbitragem, está liminarmente excluída a possibilidade de subtrair à apreciação dos tribu- nais estaduais os atos da entidade privada no exercício de poderes públicos, o que, desde logo, decorre impera- tivamente do direito de acesso aos tribunais e do princípio da tutela jurisdicional efetiva ( idem , p. 1070). No caso vertente, a opção do legislador – ainda que não consentânea com o que sucede no âmbito do contencioso administrativo geral – foi a de instituir uma forma de arbitragem necessária e confiar à aprecia- ção de árbitros todas as questões relacionadas com o contencioso de legalidade das decisões administrativas em matéria de desporto. 13. Fora dos casos individualizados na Constituição em que há lugar a uma reserva absoluta de juris- dição, o que sucederá não apenas em matéria penal mas sempre que estejam em causa direitos de particular importância jurídico-constitucional a cuja lesão deve corresponder uma efetiva proteção jurídica, poderá admitir-se que o direito de acesso aos tribunais seja assegurado apenas em via de recurso, permitindo-se que num momento inicial o litígio possa ser resolvido por intervenção de outros poderes, caso em que se poderá falar numa reserva relativa de jurisdição ou reserva de tribunal. Poderá ser essa a situação quando estejam em causa litígios entre particulares que sejam carecidos de uma decisão definitiva e imparcial juridicamente vinculativa ou em casos de lesão de direitos e interesses dos particulares por decisões tomadas por autoridades públicas. E, em certas circunstâncias, poderá igualmente
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