TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

320 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de um direito fundamental, atenta a extensão da imposição expressa de intervenção legislativa constante do artigo 55.º, n.º 6, da CRP (Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Almedina, Coimbra, 2012, p. 211). Destarte, a introdução do artigo 403.º da Lei n.º 35/2004 vem, no fundo, balizar o exercício de uma posição jurídica ativa – o direito ao crédito remunerado – cuja concreta configuração ( v. g. , n.º de dias, dura- ção) não resulta imediatamente da Constituição nem integra o âmbito de proteção do direito fundamental consagrado no artigo 55.º, n.º 6, da CRP. O mesmo é dizer que a norma impugnada pela recorrente não afeta o âmbito de proteção deste direito, não se reconduzindo, nessa medida, a uma lei restritiva de direitos, liberdades e garantias, cuja validade haja de ser apreciada nos termos dos n. os 2 e 3 do artigo 18.º da CRP. Tal circunstância não o dispensa, bem entendido, de respeitar os princípios estruturantes do Estado de direito, entre eles o princípio da proibição do excesso. Tratando-se de uma medida legislativa em cuja emanação o legislador goza de alguma liberdade de con- formação, reconhece-se-lhe um crédito de confiança, o que significa que só o caráter manifesta ou ostensiva- mente desproporcionado é suscetível de afetar a constitucionalidade daquela (vide, entre outros, os Acórdãos n. os 484/00, 187/01 e 200/01, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ; e também Jorge Reis Novais, Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa , Coimbra Editora, Coimbra, 2011, p. 196). Ora, a opção legislativa de aplicar o regime da suspensão do contrato de trabalho à hipótese vertente assume- -se não só tolerável no quadro da margem de conformação de que dispõe o legislador ordinário na configu- ração daquele direito fundamental, como exprime – na verdade – uma solução razoável no que concerne a composição dos interesses constitucionalmente protegidos em presença. De facto, o crédito remunerado verte-se “numa fração do tempo normal de trabalho reservada ao exer- cício do cargo, ou melhor, traduz-se no direito de dispor, sem perda de quaisquer regalias, de uma parte do período normal de trabalho para desempenho das funções de representação”, razão pela qual deve ser pago juntamente com o salário do período a que respeita (Jorge Leite, op. cit. , p. 4 – os itálicos são nossos). Vale por dizer que há como que uma relação simbiótica entre o crédito remunerado e o salário devido pela presta- ção de trabalho, a qual é quebrada quando a ausência do trabalhador se prolonga continuamente por mais de 30 dias, deixando de fazer sentido a própria ideia de remuneração das ausências. Acresce que a ausência pro- longada do trabalhador, concretizando, mutatis mutandis, o que foi dito no Acórdão n.º 454/97 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) , implica uma “desconfiguração substancial da prestação do trabalhador”, que “afeta o equilíbrio essencial entre as prestações principais das duas partes do contrato de trabalho”, algo que não pode deixar de se repercutir na remuneração devida, maxime , no direito ao crédito remunerado e ao subsídio de férias e de Natal. Conclui-se, pelo exposto, que o artigo 403.º da Lei n.º 35/2004, ao estabelecer que quando as faltas determinadas pelo exercício da atividade sindical se prolongarem para além de um mês se aplica o regime da suspensão do contrato de trabalho, não só não afeta o núcleo essencial da proteção conferida pelo n.º 6 do artigo 55.º da CRP, como não se afigura desproporcionado no quadro de uma adequada composição dos interesses em presença, reclamada pelo princípio da proporcionalidade. 5. Em segundo lugar, a recorrente alega que o artigo 403.º da Lei n.º 35/2004, que visa regulamentar a Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, altera as “bases gerais” que constam dessa lei, algo que se configura como uma violação dos n. os 2 e 7 do artigo 112.º da CRP. Tais preceitos, no seu entender, estabelecem o princípio geral de que as normas regulamentares, ainda que assumam a forma de leis ou decretos-leis, devem subordi- nar-se aos princípios estatuídos nas normas que visam regulamentar. Esta argumentação, assente na alegada violação do princípio da legalidade da administração, só pode- ria vingar se se concluísse pela natureza regulamentar da Lei n.º 35/2004. Não é manifestamente isso que sucede. Sem cuidar de saber se a Constituição consagra uma ou várias “reservas de administração” ou “reser- vas de regulamento”, figuras que permitiriam sindicar da constitucionalidade da intervenção do legislador em certos domínios “próprios” da atividade administrativa (sobre o tema, vide, entre outros, os Acórdãos

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=