TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

32 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL que se atribua uma autonomia plena à justiça desportiva, em termos de não ser possível, fora do âmbito de questões estritamente desportivas, qualquer interação com a organização judiciária estadual, com incidência sobre decisões de mérito. 12. A resposta a esta questão convoca uma outra ordem de análise. Como se referiu, compete ao TAD, no âmbito da arbitragem necessária, conhecer dos litígios emer- gentes dos atos e omissões das federações e outras entidades desportivas e ligas profissionais, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina (artigo 4.º, n.º 1, do Anexo ao Decreto n.º 128/XII). As decisões dos colégios arbitrais que sancionem infrações disciplinares previstas pela lei ou pelos regulamentos disciplinares aplicáveis, são apenas passíveis de recurso para a câmara de recurso, ainda dentro da organização interna do TAD [artigo 8.º, n.º 2, alínea a) ]. Como também se observou, os poderes das federações desportivas exercidos no âmbito da regulamenta- ção e disciplina da respetiva modalidade são de natureza pública, por efeito da delegação de poderes efetuada pela atribuição a essas entidades do estatuto de utilidade pública desportiva. Os atos individuais e concretos produzidos no exercício dessa função são assim tidos como atos admi- nistrativos, do mesmo modo que são regulamentares as normas que essas entidades emanem no exercício de um poder público, e são impugnáveis quando possuam eficácia externa. Trata-se por isso, e em qualquer caso, de atos de autoridade. No domínio do contencioso administrativo, a possibilidade de recurso à arbitragem não é inteiramente estranha aos litígios que envolvam o exercício de poderes de autoridade da Administração. De acordo com o artigo 1.°, n.° 5, da LAV, «o Estado e outras pessoas coletivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, se para tanto forem autorizados por lei especial ou se elas tiverem por objeto litígios respeitantes a relações de direito privado». Resulta desse preceito que os litígios em matérias respeitantes a relações de direito privado, no âmbito das quais as entidades públicas figurem como se fossem sujeitos privados, podem ser submetidos a arbitragem nos termos gerais. Pelo contrário, a concretização de convenções arbitrais em matérias respeitantes a relações de direito administrativo depende da existência de lei especial que permita a respetiva celebração. Tradicionalmente, ainda que por força de disposição especial, só eram admitidos tribunais arbitrais rela- tivamente a direitos e obrigações disponíveis, relacionados com litígios de natureza jurídico-administrativa respeitantes a questões de responsabilidade civil da Administração ou de contencioso dos contratos admi- nistrativos (artigo 2.º, n.º 4, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 1984). Entretanto, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) foi um pouco mais além, passando a permitir a constituição de tribunal arbitral para julgamento, não apenas dessas matérias, mas também de “questões relativas a atos administrativos que possam ser revogados sem fundamento na sua invalidade, nos termos da lei substantiva” e de “litígios emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional” [artigo­ 180.º, n.º 1, alíneas c) e d) ]. Deixou, no entanto, uma ressalva: nos casos em que existam terceiros contrain- teressados, o recurso à arbitragem é admissível desde que estes aceitem o compromisso arbitral (n.º 2). A solução do artigo 180.º, n.º 1, alínea c), do CPTA «parece assentar no entendimento de que os atos administrativos que, nos termos da lei, podem ser revogados sem fundamento em invalidade são atos dispo- níveis, no sentido em que a lei não exige a demonstração da respetiva invalidade para que a Administração os possa retirar da ordem jurídica, pelo que os litígios que se constituam em torno desses atos, como não dizem respeito a matéria indisponível, podem ser submetidos a arbitragem. Pelo contrário, quando estejam em causa atos administrativos que só possam ser removidos da ordem jurídica com fundamento em invali- dade e, portanto, em condições vinculadas, o destino das situações jurídicas por eles constituídas não está na disponibilidade da Administração, pelo que lhe está vedado submeter a respetiva apreciação a um tribunal arbitral» (Mário Aroso de Almeida/Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos , 3.ª edição, Coimbra, p. 1148).

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=