TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

319 acórdão n.º 29/13 Tais preceitos seriam revogados pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, que aprovou o Código do Traba- lho de 2003, passando então a vigorar os preceitos transcritos supra (cfr. os artigos 454.º e 455.º). O instituto da suspensão do contrato de trabalho pressupõe a “coexistência temporária da subsistência do vínculo contratual com a paralisação de algum ou alguns dos principais direitos e deveres dele emergen- tes”, de tal forma que o contrato fica como que em estado de “hibernação” ou de “morte aparente” (Jorge Leite, Direito do Trabalho, vol. II, Coimbra, p. 170; Júlio Gomes, Direito do Trabalho – Relações Individuais de Trabalho, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 853). De entre as suas diversas modalidades, des- taca-se a suspensão do contrato de trabalho por impedimento voluntário do trabalhador, à qual se reconduz a ausência dos responsáveis sindicais para desempenho das suas funções. Subjacente a tal suspensão está a intenção de “proteger outros direitos fundamentais cujo exercício se mostra incompatível com a normal exe- cução da prestação de trabalho”, de tal forma que “se o contrato não ficasse suspenso, com a inerente garantia do direito ao lugar, tais direitos fundamentais só muito dificilmente poderiam ser exercidos pelo trabalhador” (João Leal Amado, Contrato de Trabalho, Coimbra, 2011, p. 343). Como resulta das normas transcritas supra , mormente do artigo 333.º, n.º 4, do Código do Trabalho de 2003, em matéria de causas voluntárias vale o princípio da taxatividade, algo que se justifica não só por razões de ordem pública, mas também atento o facto de tais causas implicarem a exoneração do dever de prestar trabalho, algo que não deixa de ser preju- dicial para os legítimos interesses do empregador (João Reis, A suspensão do contrato de trabalho por motivos respeitantes ao trabalhador, Coimbra, 1993, p. 139). Destarte, o regime que desde há muito vale neste âmbito passa por considerar o exercício do cargo de dirigente sindical como facto justificativo da ausência, independentemente da sua duração, sendo certo que à licitude da ausência – leia-se, à impossibilidade de o empregador resolver o contrato tendo em conta o incumprimento do dever de prestar trabalho – acresce a figura do crédito de tempo remunerado. Referindo- -se­ao crédito previsto no artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 215-B/75, lembra Jorge Leite que tal crédito “não constitui um limite ao tempo de ausências justificadas para desempenho de funções. Estas, excedam ou não o respetivo crédito, são sempre justificadas. O crédito constitui, sem dúvida, salvo acordo em contrário, um limite à remuneração das ausências” (Jorge Leite, op. cit. , p. 8). Percebe-se, pois, que na ausência de um preceito como o artigo 403.º da Lei n.º 35/2004, doutrina e jurisprudência se questionassem sobre se, quando as faltas ao serviço, por motivo de exercício de funções sindicais, excedessem os 30 dias, deveria aplicar-se o regime da suspensão do contrato de trabalho. Questão cujo efeito em plano não teórico sempre foi o de saber se o trabalhador (cujas faltas continuadas haviam ultrapassado os 30 dias) deveria manter o direito às remunerações relativas aos quatro dias por mês em que a sua ausência era remunerada, ou se tal direito entrava em estado de paralisação por força da aplicação do regime da suspensão (vide, a este propósito, o acórdão de 10 de maio de 1989, do Tribunal da Relação de Lisboa, e o acórdão de 16 de dezembro de 1983, do Supremo Tribunal de Justiça). É neste contexto – no seguimento, inclusivamente, de propostas doutrinárias – que emerge a opção legislativa plasmada no artigo 403.º da Lei n.º 35/2004. Tem razão a recorrente quando contesta o acerto da remissão em bloco, operada pelo legislador ordinário, para o regime da suspensão de contrato de trabalho por facto respeitante ao trabalhador. Com efeito, este regime-regra tem como pressuposto que o impedimento para prestar trabalho resulte de facto não imputável ao trabalhador, algo que não sucede na situação em apreço. Porém, a solução gizada pelo legislador, admitindo que, com a suspensão do contrato de trabalho, o trabalhador perde o seu direito ao crédito de tempo remunerado, bem como a parte proporcional do subsídio de férias e de Natal (cfr. artigos 254.º e 255.º do Código do Trabalho de 2003), mostra-se – ainda assim – proporcionada, estabelecendo uma ponderação equilibrada dos interesses em jogo. Vejamos. O núcleo essencial do direito dos representantes dos trabalhadores a uma proteção legal adequada, constante do n.º 6 do artigo 55.º da CRP, concretiza-se numa proibição de constrangimentos à respetiva atividade sindical, proibição essa que reclama – certamente – a consagração da figura das ausências justifi- cadas, e até mesmo a figura das ausências remuneradas. Os artigos 454.º e 455.º do Código do Trabalho de 2003, são, neste sentido, normas jurídicas concretizadoras, mas também – em certa medida – conformadoras

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