TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

31 acórdão n.º 230/13 11. A Constituição, embora admita a existência de tribunais arbitrais (artigo 209.º, n.º 2), nada diz quanto à sua inserção no ordenamento jurisdicional, nem quanto à articulação com o direito de acesso à proteção judicial. Nem explicita o âmbito e a natureza dos litígios que podem ser submetidos à jurisdição desses tribunais. Em todo o caso, a criação de tribunais arbitrais não pode deixar de se encontrar preordenada a outros princípios constitucionais e, de entre estes, à garantia de acesso aos tribunais e à garantia de reserva de jurisdição. O artigo 202.º, no seu n.º 1, define os tribunais como os «órgãos de soberania com competência para administrar a justiça», vindo a identificar, no n.º 2, o conteúdo da função jurisdicional por referência a três diferentes áreas de intervenção: defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos; repressão de violação da legalidade; dirimição de conflitos de interesses públicos e privados. O entendimento comum é o de que a Constituição pretendeu, deste modo, instituir uma reserva de jurisdição, entendida como uma reserva de competência para o exercício da função jurisdicional em favor exclusivamente dos tribunais. Nesse sentido, poderá apenas discutir-se o âmbito de delimitação dessa reserva, quer por efeito das dificuldades que possa suscitar, em cada caso concreto, a distinção entre função admi- nistrativa e função jurisdicional, quer por via da maior ou menor latitude que se possa atribuir ao con- ceito (sobre os diferentes níveis ou graus de reserva, cfr. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 7.ª edição, pp. 668-670; Vieira de Andrade, “A reserva do juiz e a intervenção ministerial em matéria de fixação das indemnizações por nacionalizações”, in Scientia ivridica, Tomo XLVII, n. os  274/276, julho/dezembro, 1998, p. 224). A possibilidade de institucionalizar formas de composição não jurisdicional de conflitos, nos termos do n.º 4 desse mesmo artigo 202.º, e de submissão de litígios a uma jurisdição arbitral, como prevê o n.º 2 do artigo 209.º, não significa que o recurso a um tribunal estadual não seja ainda a principal via de acesso ao direito e que não possam ser estabelecidos, com base nessa reserva de jurisdição, certos limites à constituição de tribunais arbitrais. E deverá ter-se presente que o direito de acesso aos tribunais, como direito fundamental correlacionado com a reserva da função jurisdicional, é também ele um “corolário lógico da tendencial resolução dos confli- tos através de tribunais estaduais”. A este propósito Pedro Gonçalves observa que a garantia do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, é a do «direito de acesso a tribunais estaduais, não tendo sentido dizer-se que ali se garante o acesso a tribunais a constituir por iniciativa dos interessados. O que a instituição de tribunais arbi- trais voluntários representa, ou pode representar, é a voluntária renúncia ao direito de acesso aos tribunais do Estado» ( ob. cit. , p. 565, nota 450). A admitir-se esta asserção como válida para os tribunais arbitrais voluntários, por maioria de razão ela é aplicável aos tribunais arbitrais necessários, visto que a criação destes tribunais resulta de imposição legal e impede os interessados de recorrerem ao tribunal da ordem judiciária comum que seria normalmente com- petente para dirimir o conflito. E é nesse sentido que aponta o autor agora citado quando refere que «o facto de a Constituição incluir os tribunais arbitrais nas categorias de tribunais não assegura a constitucionalidade dos tribunais arbitrais necessários em todos os casos: só é pensável admitir a imposição da composição arbi- tral quando não se encontre vedado o acesso aos tribunais estaduais, hipótese que só se verifica se não estiver excluída a possibilidade de recurso da decisão arbitral para aqueles tribunais» ( ob. cit., p. 573). O Tribunal Arbitral de Desporto, enquanto tribunal arbitral necessário, assume-se como uma forma de jurisdição privada, que se caracteriza pela sua natureza imperativa. O Estado, ao instituir uma entidade juris- dicional independente para administrar a justiça no domínio do ordenamento jurídico desportivo, renuncia ao exercício primário da função jurisdicional pública relativamente a esse tipo de litígios. O que se discute é se a garantia de acesso aos tribunais pode ser satisfeita através de uma jurisdição arbitral de modo a ficar sempre excluído um reexame judicial por um tribunal estadual, independentemente da natureza dos direitos e interesses que estejam em causa. A questão que as normas impugnadas colocam, à luz de todas as precedentes considerações, é, pois, a de saber se é aceitável, em face do direito de acesso aos tribunais e do princípio da tutela jurisdicional efetiva,

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