TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
304 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 13. É neste contexto que deve ser avaliada a norma sub judicio . Alega o recorrente que a interpretação dada pela decisão recorrida ao disposto no n.º 2 do artigo 99.º do CPTA – segundo a qual as alegações só são aí previstas no interesse do autor, pelo que não são admissíveis ainda que o réu produza prova com a contestação – viola o princípio constitucional do processo equitativo, previsto no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição. E isto numa dupla perspetiva: objetivamente, porque a dis- pensabilidade das alegações, assim delimitada, contraria em si mesma o conceito constitucional de processo equitativo, tal como ele decorre do referido preceito constitucional; subjetivamente, porque com ela se afeta de forma desproporcionada o direito de cada um a um processo justo, direito esse que o artigo 20.º também consagra. Não parece, contudo, que assim seja. Não o é, seguramente, se se tiver em conta – abstraindo das peculiaridades da norma do caso – o fim para o qual foi pensado, no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, esta forma especialíssima de processo urgente. O artigo 99.º do CPTA regula, como vimos, a tramitação dos processos de contencioso eleitoral. Pela própria natureza das matérias sobre as quais incide, o contencioso eleitoral requer formas céleres e simplificadas de processo, que permitam a obtenção em curto espaço de tempo de uma decisão de mérito. As regras especiais de tramitação que no referido artigo se consagram são claramente funcionalizadas à obtenção desse objetivo, legítimo, de simplificação e rapidez processual. Compreendida neste contexto a admissibilidade restrita da fase de alegações, nada permite concluir que tal restrição, por si só, comprometa a observância do disposto no n.º 4 do artigo 20.º da CRP: como o n.º 1 do artigo 99.º do CPTA garante que, salvas as especialidades de regime no mesmo artigo prescritas, se aplica ao processo a marcha da ação administrativa especial, garantida fica a resposta dada pela contestação à petição inicial (artigos 78.º e segs. do CPTA), pelo que sempre terão as partes a possibilidade de, em iguais condições, apresentar as suas razões de facto e de direito, produzir as suas provas e discretear sobre o valor de umas e de outras. A interpretação segundo a qual, neste tipo de processo, a fase de alegações só ocorre quanto tal tiver efeito útil – o que acon- tecerá naturalmente se na contestação se aduzirem novos dados, de facto e de direito, desconhecidos do autor no momento da petição inicial, uma vez que só assim se confrontarão as partes com elementos instrutórios por elas não examinados – não invalida a conclusão a que acima se chegou. Na verdade, decorrendo do conceito constitucional de processo equitativo (cfr. supra , ponto 11), precisamente, a obrigação do legislador ordinário de conformar a tramitação processual de modo a conferir, em condições iguais às “partes” no pro- cesso, a possibilidade de apresentar as razões próprias e de examinar e controverter as razões alheias, não é a norma sub judicio que lesa essa obrigação, uma vez que ela é já cumprida com a apresentação da contestação. Pode invocar-se que, se assim é sob o ponto de vista objetivo, não o será necessariamente sob o ponto de vista subjetivo. É o que ainda sustenta o recorrente, quando alega que a interpretação impugnada, ao fazer depender a admissibilidade das alegações da necessidade de assegurar o contraditório do autor, afeta de forma desproporcionada o direito de cada um (no caso, do réu) a um processo equitativo. Não restam dúvidas de que o n.º 4 do artigo 20.º da CRP, para além de consagrar um princípio (obje- tivo), contém também um radical subjetivo: se o legislador ordinário está obrigado a conformar as normas de processo de modo a que elas propiciem uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com a observância dos princípios da imparcialidade e independência, possibilitando-se, designa- damente, um correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e dis- cretear sobre o valor e o resultado de umas e outras, tal sucede porque as pessoas têm o direito, fundamental, a que assim seja. Este direito é no entanto limitável, e deve ser limitado sempre que tal se mostre necessário para assegurar outros valores ou interesses constitucionalmente protegidos. Como já vimos, as vinculações a que está sujeito o legislador ordinário quando conforma as normas de processo administrativo não excluem a possibilidade de consagração de processos urgentes. No caso do contencioso eleitoral, tal possibilidade converte-se, pela natureza das coisas, em inevitabilidade, uma vez não poder deixar de ser urgente a emissão de uma decisão de mérito quando está em causa a garantia jurisdicional
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