TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
303 acórdão n.º 23/13 deixando de ser o processo próprio de um contencioso limitado, se moldasse de acordo com as exigências de uma ordem constitucional que se pauta pelo princípio do processo justo e equitativo. 12. Estas exigências não impedem que, ao conformar o processo administrativo, o legislador identifique formas especiais de processos urgentes, que, em função da premência da tutela, propiciem a rápida compo- sição material dos litígios. Ponto é que sob a capa formal da urgência se não contrarie o núcleo essencial do processo equitativo; e, para tanto, duas exigências devem sempre, nestas formas de processo, ser satisfeitas. A primeira diz respeito à justificação material da “urgência”. Onde tudo é urgente nada é urgente: a especial forma de processo administrativo que é pensada para dispensar uma tutela principal em tempo curtíssimo, sendo, pela natureza das coisas, excecional, não deve aplicar-se a domínios da vida que dela não necessitem. A segunda exigência diz respeito à preservação do princípio essencial do processo equitativo. Por mais célere que seja a tramitação, o que se terá sempre que assegurar é que, durante o processo, cada uma das partes possa oferecer as suas razões de facto e de direito, oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário, e discretear sobre o resultado de umas e outras. Como o processo urgente não pode deixar de ser equitativo, a sua tramitação também não pode deixar de incluir uma fase que propicie o correto funcionamento das regras do contraditório. A norma sob juízo decorre de uma certa interpretação que foi conferida a uma das disposições do artigo 99.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. O artigo 99.º insere-se no Título IV do Código, relativo aos processos urgentes e, dentro dele, no Capítulo I, dedicado às impugnações urgentes. A primeira impugnação urgente que o CPTA regula é a impugnação de atos administrativos em matéria eleitoral: a secção I deste capítulo integra as normas sobre contencioso eleitoral, definindo o artigo 97.º o seu âmbito, o artigo 98.º os seus pressupostos e o artigo 99.º a sua tramitação, formando um sistema regulador que, como já se viu, é largamente oriundo da LPTA. Pela sua própria natureza, o contencioso eleitoral requer um processo urgente. Sobre a adequação entre forma e matéria de processo não pode haver, neste domínio, lugar a dúvidas. Isto mesmo decorre da abun- dante jurisprudência do Tribunal sobre o tema, onde se tem salientado que, sendo o processo eleitoral decisivamente marcado pela urgência e celeridade, o contencioso que lhe diz respeito não pode deixar de ser orientado pela disciplina rigorosa no cumprimento dos [muito curtos] prazos legais, sob pena de se tornar inviável o calendário fixado para os diversos atos que integram o processo eleitoral. (Vejam-se, entre muitos outros, os Acórdãos n. os 287/02, 427/05, 1/06 e 471/08). Por outro lado, o artigo 99.º, ao regular a tramitação do processo, prevê que se lhe aplique a marcha própria da ação administrativa especial, o que, ao incluir necessariamente a resposta dada pela contestação à petição inicial, não deixa de acomodar o processo às exigências fundamentais do princípio do contraditório. A limitação, que é posta pelo n.º 2 do referido artigo, à existência de uma fase ulterior de alegações, bem como o prazo apertado de cinco dias para a apresentação de contestação, fixado pela alínea a) do seu n.º 1, são em si mesmas concretizações da especial natureza urgente do processo. Se não existissem, a tramitação do processo seria a fixada para o regime geral, não marcado pela urgência da emissão de uma decisão de mérito. A essência do regime urgente reside, portanto, precisamente aqui: no prazo apertado que é dado para a apre- sentação da contestação, que, ao invés de ser de 30 dias (como sucede no regime geral: artigo 81.º, n.º 1) é apenas de 5; na possibilidade de não serem admitidas alegações, que, ao invés de só serem dispensadas se o autor, com a anuência expressa ou tácita do réu, o requerer em petição inicial (como sucede no regime geral: artigos 78.º, n.º 1, e 83.º, n.º 2), só são admissíveis no caso de ser requerida ou produzida prova com a contestação. A redução forte do prazo de apresentação da contestação visa garantir a celeridade do processo; a restrição imposta à admissibilidade das alegações visa garantir a sua simplificação. São, portanto, estas, especialidades do regime de tramitação que conferem a esta forma de processo a sua singularidade. Sem elas, a legítima escolha do legislador ordinário, de incluir, entre os diferentes tipos de processos administrativos, formas de processo funcionalizadas à obtenção urgente de decisões de mérito, ficaria esvaziada de sentido.
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