TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
302 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL alegações a que se refere o n.º 2 do artigo 99.º do CPTA só seriam admissíveis para assegurar o contraditório do autor (não sendo portanto admissíveis, apesar [de o réu] ter produzido prova com a contestação) que se concluiu não ocorrer no caso preterição de nenhuma formalidade prescrita por lei, nos termos do n.º 1 do artigo 201.º do Código de Processo Civil. Sob o ponto de vista hermenêutico, o processo decisório seguido pelo tribunal a quo foi concluído sem que o regime de nulidades previsto no Código de Processo Civil (ou, melhor, a sua específica interpretação) cumprisse nele alguma função autónoma. O disposto no n.º 1 do artigo 201.º do Código de Processo Civil foi aplicado enquanto mera consequência neutra da “leitura” feita de outra norma, “leitura” essa que consumiu toda a especial “dimensão interpretativa” que a normatividade do caso encerra. É por isso que não pode sustentar-se a inutilidade do juízo do Tribunal pelo simples facto de o objeto do recurso ter sido delimitado sem a inclusão do regime de nulidades. Na realidade, essa inclusão não era necessária. Não sendo a aplicação daquele regime mais do que uma consequência valorativamente neutra do sentido que se der à norma do artigo 99.º, n.º 2, do CPTA, qualquer juízo que sobre esta última norma venha a recair – seja ele de inconstitucionalidade, seja ele de não inconstitucionalidade – terá sempre a virtualidade de reformar ou confirmar a sentença recorrida. Do que acaba de dizer-se resulta, também, a improcedência da segunda objeção feita pelo Ministério Público ao recebimento do pedido. Não há dúvida que, no caso, foi aplicada pelo tribunal comum uma norma, com certa interpretação, cuja inconstitucionalidade a parte no processo antes arguira. A questão chega ao Tribunal tal como a prefigura o artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portu- guesa (CRP) e o artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC. Importa, por isso, dar-lhe resposta. 11. As normas de direito processual não são nunca, qualquer que seja a forma de processo, constitu- cionalmente indiferentes. Como o Tribunal tem dito inúmeras vezes (vejam-se, por exemplo, os Acórdãos n. os 271/95, 335/95, 508/92 ou 413/10), embora o legislador ordinário goze de amplo espaço de liberdade na conformação das regras de processo, essa liberdade é desde logo limitada pelo simples facto de ser atra- vés dessas regras que se concretiza um dos elementos essenciais do Estado de direito: o direito de acesso ao Direito e aos tribunais, de modo que possam vir a ser efetivamente tutelados pelo Estado as posições jurídico- -subjetivas que o seu ordenamento reconheça. Assim, e antes do mais, é ordenado em conformidade com a Constituição o processo que não obstaculize à realização, em tempo côngruo, desse objetivo. Dizer isto é, no entanto e como se sabe, ainda dizer pouco. À parte o processo penal, que tem, pela sua mais próxima conexão com o valor da liberdade, a vin- culação especialmente densa que lhe confere o artigo 32.º da CRP, todas as demais formas de processo se encontram sujeitas à necessidade de cumprir as exigências que decorrem do n.º 4 do artigo 20.º da CRP: o legislador que as conforma tem portanto que assegurar que através delas se possa exercer o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com a observância dos princípios da imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), ofe- recer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e o resultado de umas e outras. (Acórdão n.º 444/91, em Diário da República, II Série, de 2 de abril de 1992, p. 3137). Se isto é assim em relação ao processo civil, declarativo ou executivo, também o é quanto ao processo administrativo. As injunções dirigidas ao legislador ordinário nos n. os 4 e 5 do artigo 268.º da CRP não visam mais do que garantir que, também no domínio das ações e recursos que tenham por objetivo dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas, disponham as pessoas de meios processuais justos e equita- tivos, porque conformes às exigências constantes do artigo 20.º da Constituição. A longa persistência de um contencioso limitado à anulação de atos administrativos, que durante décadas modelou a estrutura essencial da nossa justiça administrativa, levou à especificação das normas constitucionais sobre processo administrativo, hoje constantes – depois de sucessivos aperfeiçoamentos, alcançados nas revisões constitucionais de 1982, 1989 e 1997 – dos n. os 4 e 5 do artigo 268.º; mas, no essencial, o que essas especificações pretenderam não foi mais do que impor ao legislador ordinário um programa de transformação do processo administrativo, para que este,
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