TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

301 acórdão n.º 23/13 Ao assim proceder, o tribunal recorrido estribou-se numa certa interpretação do n.º 2 do artigo 99.º do CPTA, nos termos da qual a admissibilidade das alegações, nesta forma de processo, visaria, apenas, assegurar o contraditório do autor da ação, por ser esta a única oportunidade que o mesmo teria para se pronunciar sobre a prova requerida ou junta com a contestação. Como, no caso, não estaria em causa a necessidade de assegurar o contraditório do autor da ação, entendeu o juiz a quo que nenhuma razão haveria para que nele o tribunal se entendesse vinculado a ordenar a produção de alegações, não obstante a redação literal do n.º 2 do artigo 99.º do CPTA. Avaliar do acerto desta interpretação é tarefa que, naturalmente, se não inclui no âmbito dos poderes cognitivos do Tribunal Constitucional: a resposta à questão de saber se, ao atribuir este sentido ao preceito legal, o juiz da causa deixou de cumprir o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, segundo o qual na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, não a tem que dar a jurisdição constitucional. O que cabe a esta última é apenas a resolução da questão de saber se ao conferir este sentido ao disposto no n.º 2 do artigo 99.º do CPTA a decisão recorrida violou, como sustenta o recorrente, o n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República. 10. Nenhum motivo há para que o Tribunal não responda à questão de constitucionalidade que, desta forma, lhe foi colocada. Com efeito, não parece que procedam as questões prévias colocadas pelo Ministério Público nas suas contra-alegações, questões essas que, a serem acolhidas, levariam naturalmente (embora tal não seja expressamente dito no articulado apresentado pelo Ministério Público) a uma decisão de não conhecimento por parte do Tribunal. Antes do mais, não parece que proceda o argumento segundo o qual o recorrente não identificou cor- retamente a norma aplicada pela decisão recorrida, cuja inconstitucionalidade, alegada durante o processo, pede agora que o Tribunal Constitucional julgue. Como se sabe, o Tribunal Constitucional só pode, por via de recurso, proferir juízo sobre a validade constitucional de uma norma se essa mesma norma tiver sido desaplicada pelo tribunal a quo com funda- mento na sua inconstitucionalidade, ou, caso tal não suceda, se essa mesma norma tiver sido aplicada pelo tribunal a quo , não obstante ter sido alegada, pela parte no processo, a sua inconstitucionalidade. É o que decorre da Constituição (artigo 280.º, n.º 1) e da lei (artigo 70.º, n.º 1, da LTC). A identidade entre as duas normas – entre aquela que foi aplicada ou desaplicada pelo tribunal a quo e aquela outra cuja validade se pede, em recurso, que o Tribunal Constitucional aprecie – forma assim um pressuposto ineliminável do recebimento do pedido em processos de fiscalização concreta da constitucionalidade. É que, a inexistir tal identidade (o que sempre ocorrerá, se o tribunal a quo decidir com fundamento em outra norma, que não aquela cuja apreciação for pedida), o juízo proferido pelo Tribunal Constitucional tornar-se-á inútil, visto que não terá virtualidade para reformar ou mandar reformar a decisão recorrida “em conformidade com o julgamento sobre a questão de constitucionalidade” (artigo 80.º, n.º 2, da LTC). Sustenta o representante do Ministério Público no Tribunal que é precisamente o que se passa no pre- sente caso, uma vez que, nele, a “interpretação normativa” impugnada não consta, simplesmente, do artigo 99.º do CPTA (como o indica o recorrente no requerimento de interposição do recurso), mas antes das disposições conjugadas desse mesmo preceito e do artigo 201.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, relativo às regras gerais sobre a nulidade dos atos. Não parece, porém, que proceda a objeção. Na verdade, foi por o juiz a quo ter imputado ao artigo 99.º do CPTA o sentido que lhe atribuiu que se entendeu não haver lugar à nulidade prevista no n.º 1 do artigo 201.º do Código de Processo Civil. A decisão recorrida assentou numa razão determinante, e essa não decorreu de nenhuma particular interpreta- ção da norma do Código de Processo Civil. Foi antes a especial “leitura” feita, in casu , da norma do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que determinou, de forma consequencialmente neutra, a não aplicação do regime processual civil de nulidades. Dizendo de outro modo: foi porque se entendeu que as

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