TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
300 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por estar sujeito, em função do cargo que ocupava, ao dever de apresentação de declaração de rendimen- tos, foi o recorrente no presente processo de tal notificado pela entidade competente. A notificação advertia- -o para a cominação legal em caso de incumprimento no prazo de 30 dias. No entanto, tal prazo decorreu sem que houvesse apresentação de declaração ou justificação para a sua não apresentação. Foi na sequência deste facto que o Ministério Público propôs ação junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, pedindo, nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, declaração de destituição do cargo. A Lei n.º 4/83, de 2 de abril, não identifica a forma do processo que deve ser seguida para que se obte- nha, em caso de incumprimento doloso do dever de apresentação da declaração de rendimentos, a “desti- tuição judicial” a que se refere o n.º 1 do seu artigo 3.º No entanto, o Ministério Público intentou a ação junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, seguindo a forma dos processos urgentes prevista no Título IV do Código de Processo nos Tribunais Administrativos: mais precisamente, a prevista na Secção I (contencioso eleitoral) do seu Capítulo I (das impugnações urgentes). A escolha desta forma do processo resultou de uma certa interpretação do sistema legal. A Lei n.º 27/96, de 1 de agosto (Lei da Tutela Administrativa) dispõe, no n.º 1 do seu artigo 11.º, que as decisões de perda de mandato e de dissolução de órgãos autárquicos ou de entidades equiparadas são da competência dos tri- bunais administrativos de círculo, esclarecendo o n.º 2 que as correspondentes ações devem ser interpostas pelo Ministério Público. Sobre o regime processual que deve ser seguido nas ações para declaração de perda de mandato dispõe por seu turno o artigo 15.º da mesma Lei, que, para além de lhes atribuir caráter urgente (n.º 1), determina, quanto a alegações e prazos (n.º 5): [é ] aplicável a alegações e prazos o preceituado nos n. os 2 e 3 do artigo 60.º do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de julho. O Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de julho, fixou a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA). No seu artigo 60.º, a LPTA regulava a tramitação dos processos de contencioso eleitoral. Revogada que foi a LPTA pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, que aprovou o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, entendeu-se (ainda com apoio nos artigos 46.º e 191.º do mesmo Código) que as remissões feitas pelo artigo 15.º da Lei da Tutela Administrativa quanto à tramitação dos processos de contencioso eleitoral deveriam agora valer para os n. os 2 e 3 do artigo 99.º do CPTA. É, pois, graças a todo este processo interpretativo que o Ministério Público intenta ação no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ao abrigo das disposições conjuntas dos artigos 1.º e 2.º da Lei do Controlo da Riqueza dos Titulares de Cargos Políticos (Lei n.º 4/83, de 2 de abril), dos artigos 11.º e 15.º da Lei da Tutela Administrativa (Lei n.º 27/96, de 1 de agosto) e dos artigos 46.º, 99.º, e 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Mais especificamente, é ainda por causa desta interpretação que se segue no processo a tramitação fixada pelo artigo 99.º do CPTA. 9. Tudo isto é contestado pelo recorrente nas instâncias. Como atrás se relatou, o que nelas se discutiu foi (para além da questão substantiva de saber se o recorrente estaria ou não sujeito ao dever de apresentação da declaração de rendimentos) a questão adjetiva de saber se seria competente em função da matéria a juris- dição administrativa, e se seria ou não idónea a forma de processo seguida. Mas a toda esta discussão – e às razões pelas quais nunca quanto a ela obteve o recorrente ganho de causa – é naturalmente alheio o Tribunal Constitucional, quando chamado a intervir, por via de recurso, em processo de controlo concreto da constitucionalidade de normas. Neste contexto, e para efeitos do juízo que se há de proferir, releva apenas o problema de constitucionalidade que foi identificado pelo recorrente no pedido endereçado ao Tribunal. E esse pode ser equacionado do seguinte modo: Uma vez aplicado ao caso (mal ou bem: a questão é, agora, indiferente) o n.º 2 do artigo 99.º do CPTA, que diz que na tramitação dos processos de contencioso eleitoral só são admissíveis alegações no caso de ser requerida ou produzida prova com a contestação, o tribunal a quo não notificou o recorrente para apresentar alegações, apesar de este ter junto, com a contestação, documento que, no seu entender, continha prova quanto a factos por si alegados no respetivo articulado.
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