TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

30 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Todavia, o Tribunal Constitucional tem extraído do expresso reconhecimento constitucional da possibi- lidade de existirem tribunais arbitrais, o entendimento de que, não só os cidadãos podem, no exercício da sua autonomia de vontade, constituir tribunais arbitrais para resolução de determinados litígios, como o próprio legislador pode criá-los para o julgamento de determinada categoria de litígios, impondo aos cidadãos neles implicados o recurso necessário a essa via de composição jurisdicional de conflitos (Acórdãos n. os  52/92, 757/95 e 262/98). No entanto, a arbitragem necessária não releva da autonomia de vontade das partes e, nesse plano, apre- senta contornos diversos dos simples tribunais arbitrais voluntários. Neste último caso, o litígio é cometido pelos interessados à decisão de árbitros, mediante uma convenção de arbitragem, desde que estejam apenas em causa interesses de natureza patrimonial ou as partes possam transacionar sobre o direito controvertido. A função jurisdicional dos tribunais arbitrais tem aqui natureza privada, na medida em que o seu fundamento imediato radica na liberdade contratual e na autonomia privada (Pedro Gonçalves, ob. cit. , pp. 566 e 569). Isso explica que as partes possam determinar, por acordo, que o julgamento seja feito segundo o direito constituído ou segundo a equidade, ou por apelo à composição do litígio na base do equilíbrio dos interesses em jogo, e que só haja lugar a recurso da decisão arbitral se as partes tiverem previsto expressamente essa possibilidade e a causa não tiver sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável (artigo 39.º da LAV). Ao contrário, se por lei especial o litígio for submetido a arbitragem necessária, a decisão de recorrer à jurisdição arbitral não se baseia num negócio jurídico celebrado entre as partes, mas no ato legislativo que impõe essa forma de composição do litígio, ficando os interessados impedidos de aceder quer à jurisdição estadual, quer à arbitragem voluntária. Como se reconheceu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 52/92, tratando-se de um instituto diverso da arbitragem voluntária – que impede as partes de recorrerem, por sua iniciativa, a um tribunal estadual –, a imparcialidade do julgamento, que na arbitragem voluntária se mostra assegurada, em tese, pela livre concertação de vontade vertida no compromisso arbitral, postula aqui um outro tipo de garantias. 10. Revertendo ao caso concreto, o que vem discutido é a sujeição dos interessados a uma arbitragem necessária, no âmbito da justiça desportiva, sem que concomitantemente se admita a possibilidade de recurso da decisão de fundo ou daquela que ponha termo à causa para um tribunal estadual. Deve começar por dizer-se que essa não é solução legal prevista para os restantes casos em que se encon- tra especialmente cominada a arbitragem necessária. No processo de expropriação por utilidade pública, a Lei n.º 166/99, de 4 de setembro, estabelece que, «na falta de acordo sobre o valor da indemnização, é este fixado por arbitragem, com recurso aos tribunais comuns» (artigo 38.º, n.º 1), regulando o subsequente artigo 52.º a tramitação aplicável ao recurso da deci- são arbitral. O Decreto-Lei n.º 259/2009, de 25 de setembro, que regulamenta a arbitragem obrigatória e a arbitragem necessária, bem como a arbitragem sobre serviços mínimos durante a greve, a que se referem os artigos 513.º e 538.º, n.º 4, alínea b) , do Código do Trabalho, igualmente prevê o recurso da decisão arbitral para o tribunal da relação, nos termos previstos no Código de Processo Civil para o recurso de ape- lação (artigos 22.º e 27.º, n.º 6). A Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, que sujeita a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada, os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência e medicamentos genéricos, contempla o recurso da decisão arbitral para o tribunal da relação (artigo 3.º, n.º 7). Como se referiu, o recurso da decisão arbitral para um tribunal estadual é também admissível no âmbito de arbitragem voluntária quando as partes expressamente o prevejam, salvo quando houver acordo quanto ao julgamento do pleito segundo a equidade, que corresponde a uma implícita renúncia ao recurso. E mesmo no caso de litígios de consumo no âmbito dos serviços públicos essenciais, a Lei prevê que, quando as partes optem por recorrer a mecanismos de resolução extrajudicial de conflitos, se suspende o prazo para a proposi- tura da ação judicial ou da injunção (artigo 15.º, n.º 2, da Lei n.º 23/96, de 26 de julho, na redação da Lei n.º 6/2011, de 10 de março).

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