TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
298 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 5. Por despacho da relatora no Tribunal Constitucional, o recurso foi admitido apenas quanto à questão enunciada em (i) , tendo sido considerado que, em relação às demais, se não verificavam os respetivos pres- supostos de admissibilidade. Na sequência deste despacho – e, portanto, apenas quanto à primeira questão de constitucionalidade – apresentaram no Tribunal alegações o recorrente, e, enquanto recorrido, o Ministério Público. 6. Veio o primeiro, antes do mais, identificar o objeto do recurso, tornando claro que [só] discutia perante o Tribunal Constitucional a interpretação dada pela decisão recorrida à norma constante do n.º 2 do artigo 99.º do CPTA, nos termos da qual não seriam admissíveis alegações, apesar de ter sido produzida prova com a contestação. De seguida, apresentou as razões pelas quais impugnava tal interpretação, que, no seu entender, teria sido obtida por meios hermenêuticos que, para além de não serem permitidos pelo disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, se afastariam dos métodos impostos pelo princípio da interpretação conforme à Constituição. E, fixando-se neste segundo aspeto do problema – o único relevante para a discussão da ques- tão de constitucionalidade – concluiu do seguinte modo: «1.ª A interpretação da noma constante do artigo 99.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administra- tivos, no sentido de não serem admissíveis alegações, apesar de ter sido produzida prova com a contestação, ou de as alegações apenas serem admissíveis, naquele caso, no interesse do autor, colide frontalmente com a formulação da referida norma, onde pode ler-se que “só são admissíveis alegações no caso de ser requerida ou produzida prova com a contestação” e viola o direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.° da Constituição. 2.ª Em primeiro lugar, o artigo 99.º n.º 2, não consagra um simples direito de resposta à contestação, que poderia fundar a interpretação normativa em crise, no sentido de a respetiva previsão servir apenas o interesse do autor, quando o réu apresente prova na contestação, mas antes de uma verdadeira fase de alegações que incide, entre outros, sobre a prova produzida, e que não teve discussão em juízo, fase essa que, por definição, aproveita a ambas as partes no processo, sobretudo se se tiver em conta o reduzido prazo para contestação. 3.ª Em segundo lugar, a interpretação normativa questionada desrespeita o princípio da proporcionalidade, ínsito na própria ideia de processo equitativo: (i) na vertente da adequação, na medida em que o objetivo da celeridade processual, alegadamente subjacente àquela interpretação, teria sido conseguido através da instituição de um simples direito de resposta à contestação a favor do autor, sem se consagrar uma fase de alegações que, por definição, deve beneficiar ambas as partes; ( ii) na dimensão da necessidade, pois não se compreende que possa pôr em causa o objetivo da celeridade processual a previsão de um prazo de alegações, no interesse de ambas as partes, fixado por lei em cinco dias; (iii) na dimensão da proporcionalidade em sentido estrito, uma vez que a celeridade processual que se ganha com a amputação eventual de um prazo de alegações de cinco dias é claramente sobrepu- jada pelo interesse do réu, e presumivelmente do próprio autor, em discutir mais aprofundadamente a prova por si apresentada e assim poder influenciar o desfecho do processo a seu favor. 4.ª Em terceiro lugar, a interpretação normativa questionada deixa o réu à mercê do autor que poderá, só ele, arguir a nulidade da falta de alegações, caso o desfecho do processo lhe venha a ser desfavorável, violando assim claramente a ideia de igualdade de armas ou igualdade processual. 5.ª Nem se diga, em sentido contrário ao exposto, que se a previsão de uma fase de alegações fosse estabelecida no interesse de ambas as partes, deveria essa fase ocorrer não apenas quando seja produzida prova com a contesta- ção, mas também com a petição inicial, pois, para além do prazo de contestação ser mais curto do que o da pro- positura da ação, só a produção de prova com a contestação indicia a existência de uma factualidade controvertida relativamente à qual se justifica a discussão jurídica que é própria de uma fase de alegações. 6.ª A interpretação normativa do artigo 99.°, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, no sentido de apenas serem admissíveis alegações, quando tenha sido produzida prova com a contestação, no interesse do autor, é, pois, claramente contrária ao disposto no artigo 20.° da Constituição, que consagra o direto à tutela jurisdicional efetiva, pelo que a decisão recorrida não pode subsistir.»
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