TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
287 acórdão n.º 3/13 havido qualquer impugnação, veio o Tribunal da Relação de Coimbra, oficiosamente, considerar intempestivo o recurso interposto pelo arguido dentro daquele prazo prorrogado. Está, assim, em causa, como ratio decidendi , ainda que implicitamente, o critério normativo derivado dos artigos 411.º, n.º 1, e 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, nos termos do qual o prazo consagrado em tais normas poderia ser estritamente aplicado por um tribunal superior, revogando um despacho judicial não impugnado que tenha concedido a prorrogação de tal prazo. Trata‑se, pois, de um critério normativo relacionado com a força vinculativa emanada da regulamentação daqueles prazos processuais em circunstâncias concretas em que os mesmos prazos foram prorrogados pela primeira instância. 5. Não está em causa, no presente processo, nem a constitucionalidade dos concretos prazos processuais nem qualquer direito constitucionalmente tutelado à prorrogação dos mesmos. No recurso sub judicio , a única questão relevante é a da alteração de uma decisão de primeira instância quanto à prorrogação de prazos com fundamento no disposto em normas reguladoras de prazos, que não contemplam qualquer possibilidade de prorrogação. Ora, a interpretação dos artigos 411.º, n.º 1, e 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal que faz decorrer dos mesmos uma força vinculativa que ultrapassa a situação jurídico‑processual resultante da não impugnação de decisão anterior que concedera a prorrogação do prazo põe manifestamente em causa a confiança jurídica que a estabilidade de uma decisão judicial não impugnada gera no arguido enquanto sujeito processual. Independentemente de se saber se a prorrogação dos prazos determinada pela decisão judicial de primeira instância corresponde a uma interpretação correcta do direito ordinário, ou mesmo se aquela decisão quanto a uma prorrogação de prazo deveria ter sido notificada a todos os sujeitos processuais, é claro que, uma vez pro- duzidos os efeitos dessa decisão, eles não poderiam ser posteriormente destruídos, abalando as expectativas do arguido relativamente ao prazo de que disporia para recorrer alicerçadas numa decisão judicial não impugnada. O princípio do Estado de direito impõe uma vinculação do Estado em todas as suas manifestações, e portanto também dos tribunais, ao Direito criado ou determinado anteriormente, de modo definitivo. Assim, não é legítimo que uma decisão ao abrigo da qual se constitua um direito de intervenção processual, ainda que baseada numa eventual interpretação errónea do direito, mas não arbitrária ou ela mesma flagrantemente violadora de direitos (o que, de resto, aqui não se poderá analisar nem está em causa como problema de cons- titucionalidade), venha a ser destruída pondo em causa o prosseguimento com boa-fé da actividade processual do arguido, nomeadamente o exercício normal do seu direito de defesa. 6. Em face das considerações anteriores, o Tribunal Constitucional entende que, no presente caso, a inter- pretação das normas em crise levada a cabo pelo Tribunal recorrido viola o artigo 2.º em conjugação com o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição”. Podemos ainda acrescentar que nos processos em que foram proferidos os acórdãos citados, sempre o Ministé- rio Público, nas contra-alegações que então apresentou, sustentou a inconstitucionalidade. 3.5. Naturalmente que a ser concedido provimento ao presente recurso, tal não significa ou conduz a que a Relação tenha de conhecer da matéria de facto. Ao decidir não pode, contudo, a Relação ignorar ou considerar irrelevantes os efeitos produzidos pelo despacho que, na 1.ª instância, prorrogou o prazo e posteriormente admitiu os recursos. 3. Conclusões: 1. Como o recorrente A. não suscitou adequadamente durante o processo a questão de inconstituciona- lidade que, no requerimento de interposição do recurso, identifica como seu objecto, falta um requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abriga da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. 2. Quanto a este recorrente, não deverá, pois, tomar-se conhecimento do objecto do recurso.
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