TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
28 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL uma consequência lógica da natureza pública dos poderes que lhe são confiados pelo Estado ao abrigo da concessão do estatuto de utilidade pública desportiva. A mesma ilação é possível extrair, ainda que a título de direito transitório, da Lei antidopagem no des- porto, que adota na ordem jurídica interna as regras estabelecidas no Código Mundial Antidopagem. Nos termos do artigo 53.º dessa Lei, «a decisão de aplicação de coima, assim como o valor fixado para a mesma, são passíveis de impugnação para oTribunal Arbitral do Desporto», sendo igualmente recorríveis, nos mes- mos termos, «as decisões dos órgãos disciplinares federativos ou da Autoridade Antidopagem de Portugal», salvo, neste caso, quando se trate de violações cometidas por praticante desportivo de nível internacional ou em eventos internacionais, que são recorríveis para o Tribunal Arbitral do Desporto de Lausanne (artigo 60.º, n. os 1 e 3). No entanto, e por efeito da norma transitória do n.º 3 do artigo 77.º do mesmo diploma, «até à criação e funcionamento do Tribunal Arbitral do Desporto, a impugnação das decisões de aplicação de coima ou de sanção disciplinar é feito para o tribunal administrativo competente». 6. Essa mesma conclusão se extrai do Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD), que consta do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro. As federações desportivas são pessoas coletivas constituídas sob a forma de associação sem fins lucrativos que, englobando clubes ou sociedades desportivas, associações de âmbito territorial, ligas profissionais, prati- cantes, técnicos, juízes e árbitros e outras entidades, se proponham promover, regulamentar e dirigir a nível nacional a prática de uma modalidade desportiva ou um conjunto de modalidades (artigo 2.º). Apresentando-se como uma associação livremente constituída por particulares, não pode deixar de ser tida como uma pessoa coletiva privada a que se aplica subsidiariamente o regime jurídico das associações de direito privado (artigo 4.º). É a concessão do estatuto de utilidade pública que confere a uma federação desportiva a competência para o exercício, em exclusivo, dos poderes regulamentares e disciplinares relativos à respetiva modalidade desportiva, sendo esses poderes caracterizados como sendo de natureza pública (artigos 10.º e 11.º). Por outro lado, o RJFD consigna, tal como prevê o já transcrito artigo 18.º da Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, que os litígios emergentes dos atos e omissões dos órgãos das federações desportivas, no âmbito do exercício de poderes públicos, estão sujeitos às normas do contencioso administrativo (artigo 12.º). 7. Nos termos da legislação vigente, é hoje entendimento pacífico que são os tribunais administrativos os competentes para conhecer das deliberações dos órgãos das federações desportivas, no exercício de poderes públicos, quando não se trate de questões estritamente desportivas (acórdão do Supremo Tribunal Admi- nistrativo de 10 de setembro de 2009, Processo n.º 120/08, publicado nos Cadernos de Justiça Administrativa n.º 83, p. 12; Vital Moreira, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra, 1997, p. 305; Pedro Gonçalves , Entidades Privadas com Poderes Públicos, Coimbra, 2005, pp. 862-863). Por outro lado, o que deve entender-se por questões estritamente desportivas surge agora delimitado negativamente pela disposição do n.º 4 do artigo 18.º da Lei n.º 5/2007. São questões que resultem da apli- cação das regras do jogo, que, como tal, não poderão qualificar-se como atos administrativos por não cons- tituírem a expressão de um poder público; mas não podem considerar-se como matérias dessa natureza, para efeitos da impugnabilidade contenciosa, as decisões disciplinares que respeitem a infrações à ética desportiva, no âmbito da violência, da dopagem, do racismo e da xenofobia. É ainda este conceito que a jurisprudência administrativa tem procurado densificar, para efeito de defi- nir o âmbito de competência dos tribunais administrativos em matéria de justiça desportiva. Decidiu-se não constituir questão estritamente desportiva: a deliberação que ordenou a classificação final de um campeonato de futebol, na sequência da desclassificação de um outro clube (acórdão do Supremo Tribunal Administra- tivo de 10 de setembro de 2009, Processo n.º 120/08); o ato de cancelamento de uma licença desportiva e de suspensão preventiva de um desportista (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de junho de 2006, Processo n.º 262/06, publicado nos Cadernos de Justiça Administrativa n.º 59, p. 41, e do TCA Sul de
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