TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
27 acórdão n.º 230/13 Regime jurídico atualmente aplicável em matéria de justiça desportiva 5. Ainda que, por vezes, pudesse ter-se suscitado a dúvida quanto à natureza das federações desportivas, foi sempre entendimento dominante que essas entidades, mesmo que fossem tidas como pessoas coletivas de direito privado, na medida em que dispusessem do estatuto de utilidade pública, beneficiavam de prerroga- tivas de autoridade no exercício de uma missão de serviço público, de tal modo que os atos unilaterais que praticassem nessa qualidade, fossem individuais ou normativos, assumiam a natureza de atos administrati- vos, sendo contenciosamente impugnáveis junto da jurisdição administrativa [Parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 14/1985, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 359, p. 189; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno) de 30 de abril de 1997, Cadernos de Justiça Administrativa (CJA) n.º 4, p. 3]. A questão veio entretanto a ser solucionada pela primeira Lei de Bases do Sistema Desportivo (Lei n.º 1/90, de 13 de janeiro), que considerou as federações desportivas como pessoas coletivas de direito pri- vado a que poderiam ser atribuídos, mediante o estatuto de utilidade pública desportiva, poderes de regula- ção e disciplina desportiva (artigos 21.º e 22.º) e cujas decisões e deliberações definitivas eram impugnáveis nos termos gerais de direito, salvo no que se refere a questões estritamente desportivas que tivessem por fundamento a violação de normas de natureza técnica ou de caráter disciplinar, que não eram impugnáveis nem suscetíveis de recurso fora das instâncias internas (artigo 25.º). Esses princípios basilares foram mantidos com a Lei de Bases do Desporto (Lei n.º 30/2004, de 21 de julho), que veio a introduzir uma inovação apenas no conceito de questões estritamente desportivas, iden- tificando exemplificativamente como tal as «questões de facto e de direito emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respetivas provas», e excluindo do seu âmbito de aplicação «as decisões e deliberações disciplinares relativas a infrações à ética desportiva, no âmbito da dopa- gem, da violência e da corrupção» (artigos 46.º e 47.º). A Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, aprovada pela Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro, atual- mente em vigor, efetuou uma nova clarificação, agora quanto à identificação da jurisdição competente para o conhecimento dos litígios emergentes de relações jurídicas desportivas, passando a dispor no seu artigo 18.º o seguinte: «(…) 1 – Os litígios emergentes dos atos e omissões dos órgãos das federações desportivas e das ligas profissionais, no âmbito do exercício dos poderes públicos, estão sujeitos às normas do contencioso administrativo, ficando sempre salvaguardados os efeitos desportivos entretanto validamente produzidos ao abrigo da última decisão da instância competente na ordem desportiva. 2 – Não são suscetíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e delibera- ções sobre questões estritamente desportivas. 3 – São questões estritamente desportivas as que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de caráter disciplinar, enquanto questões emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respetivas competições. 4 – Para efeitos do disposto no número anterior, as decisões e deliberações disciplinares relativas a infrações à ética desportiva, no âmbito da violência, da dopagem, da corrupção, do racismo e da xenofobia não são matérias estritamente desportivas. 5 – Os litígios relativos a questões estritamente desportivas podem ser resolvidos por recurso à arbitragem ou mediação, dependendo de prévia existência de compromisso arbitral escrito ou sujeição a disposição estatutária ou regulamentar das associações desportivas. (…)» Deste preceito decorre a sujeição à jurisdição administrativa dos atos praticados pelas federações despor- tivas no exercício dos seus poderes de regulação e disciplina da atividade desportiva. Essa é, por outro lado,
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