TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
235 acórdão n.º 1/13 material com a pessoa coletiva, por infração tributária (quanto a esta distinção, Germano Marques da Silva, Direito Penal Tributário , Lisboa, 2009, p. 328). Poderá dizer-se que a razão de ser do regime legal decorre da necessidade de acautelar o pagamento das multas aplicáveis às pessoas coletivas, prevenindo a possibilidade de estas virem a ser colocadas numa situação de insuficiência patrimonial que inviabilize por motu proprio a satisfação do crédito fiscal. Ainda que essa medida seja compreensível no plano de política legislativa, e numa perspetiva utilitarista de eficácia da prevenção criminal, ela não pode justificar, por si, por via de um princípio civilístico de soli- dariedade passiva, a transferência da responsabilidade penal da pessoa coletiva para o seu administrador ou gerente. Não é curial, contrariamente ao que se afirma, por vezes, na jurisprudência cível, reconduzir o regime constante do n.º 7 do artigo 8.º, a uma forma de responsabilidade civil por facto próprio. O pressuposto da obrigação solidária é a colaboração dolosa na prática do crime tributário, e é essa conduta que torna o gerente responsável solidariamente pelas consequências jurídicas da condenação penal em que tenha incor- rido a pessoa coletiva. Não estão aqui em causa quaisquer factos, anteriores ou posteriores à aplicação da multa penal, que tenham colocado a pessoa coletiva na impossibilidade de pagamento. Nem é invocável um qualquer argumento de identidade ou de maioria de razão para tornar equiparável a disciplina desse preceito à responsabilidade subsidiária a que se refere o n.º 1 do artigo 8.º (cfr., entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 16 de março de 2012, processo n.º 1407/09, e do Tribunal da Relação do Porto de 2 de maio de 2012, processo n.º 1113/06, e de 6 de junho de 2012, processo n.º 11/06). Ainda que a obrigação solidária surja qualificada formalmente como uma obrigação de natureza civil, com subordinação aos princípios gerais da solidariedade passiva, ela não deixa de representar, na prática, uma consequência jurídica do mesmo ilícito penal pelo qual o gerente foi já punido, a título individual, através da aplicação direta de pena de multa. Isso porque a responsabilidade solidária assenta no próprio facto típico que é caracterizado como infração, que é imputado ao agente a título de culpa, e que arrasta não só a sua condenação individual como a condenação da pessoa coletiva no interesse de quem agiu. A norma prevê, por conseguinte, não já uma mera responsabilidade ressarcitória de natureza civil, mas uma responsabilidade sancionatória por efeito da extensão ao agente da responsabilidade penal da pessoa coletiva. Faz aqui sentido chamar à colação o princípio ne bis in idem consagrado no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição e que na sua dimensão de direito subjetivo fundamental proíbe que as normas penais possam sancionar substancialmente, de modo duplo, a mesma infração (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 244/99, 303/05, 356/06 e 319/12). Certo é que, como se ponderou no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 212/95, o princípio ne bis in idem não obsta a que pelo mesmo facto objetivo venham a ser perseguidas penalmente duas pessoas jurídicas diferentes que poderão ser também passíveis de sanções distintas, pelo que a consagração legal da responsa- bilidade individual ao lado da responsabilidade do ente coletivo não envolve em si uma qualquer violação do artigo 29.º, n.º 5, da Constituição, visto que não implica um duplo julgamento da mesma pessoa pelo mesmo facto. Ou seja, sendo diversos os responsáveis nada impede que pelo mesmo facto respondam duas ou mais pessoas, tanto que as condições de imputação são diversas, mormente no tocante à culpa, e os efeitos da condenação são também diversos. É esse princípio que se encontra, aliás, expresso, no que se refere à respon- sabilidade penal cumulativa das pessoas coletivas e dos respetivos agentes, no artigo 11.º, n.º 7, do Código Penal e é reproduzido no artigo 7.º, n.º 3, do RGIT (cfr. Germano Marques da Silva, ob. cit., pp. 301-302). Essa não é, no entanto, a situação versada no artigo 8.º, n.º 7, do RGIT, em que, por força da compar- ticipação na prática da infração tributária, se faz atuar em relação à pessoa singular, que age como represen- tante da pessoa coletiva, a cumulação da responsabilidade penal própria com a responsabilidade solidária pelo cumprimento da sanção penal pecuniária imposta à pessoa coletiva. O que traduz objetivamente uma dupla valoração jurídico-criminal de um mesmo facto, com uma con- sequência negativa para o agente, que é assim tido como um condevedor da prestação, independentemente
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