TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
214 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da desconsideração das reais faculdades contributivas de cada um. Relembre-se, também, que o atual 5.º e último escalão (rendimento coletável superior a € 80 000) corresponde, hoje, a parte do anterior 7.º escalão (que abrangia rendimentos coletáveis entre € 66 045 e € 153 300) e ao 8.º escalão (acima de € 153 300), nele se contendo realidades muitíssimo diversas (o limite mínimo do rendimento coletável é praticamente metade do seu limite máximo). Por outro lado, se o sistema agora gizado mantém a majoração das deduções à coleta por cada depen- dente ou afilhado civil, quando a elas haja lugar (em respeito pela obrigação de considerar fiscalmente o agre- gado familiar), passou a desconsiderar outras obrigações para com a família, abolindo totalmente, no escalão mais elevado, os abatimentos relativos a pensões de alimentos, bem como, no que respeita às obrigações para com a família mais alargada, excluindo os encargos com os lares de ascendentes (com a insensibilidade em que isso se traduz numa faixa etária especialmente vulnerável e particularmente carregada de despesas de saúde). Sendo a capacidade contributiva o critério que o legislador deve eleger para medida do imposto de cada um – e independentemente das dificuldades de encontrar uma suficiente densificação do limite mínimo ainda constitucionalmente admissível (problema que logo se identifica no simbólico limite do 4.º escalão) – sempre se deveria concluir, sem dúvidas, que a total desconsideração das deduções à coleta desrespeita uma regra essencial da Constituição fiscal. Assim sendo, considerei que a norma do artigo 186.º da Lei n.º 66-B/2012, na parte em que alterou os artigos 78.º e 85.º do CIRS, abolindo completamente as deduções à coleta, não está em conformidade com a Lei Fundamental, por violação do princípio da capacidade contributiva enquanto critério da tributação. VIII. Acompanhei a declaração de inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 117.º da Lei n.º 66-B/2012, subscrevendo os argumentos do Acórdão. Contudo, entendo que o limite mínimo sus- tentado na decisão (e legalmente fixado, com o que isso tem de volatilidade) pode ainda tornar a medida demasiado penosa para alguns destinatários, sobretudo se pensarmos que, relativamente aos pensionistas e trabalhadores no ativo que recebem por verbas públicas, o legislador teve o cuidado de definir um patamar mais elevado, abaixo do qual as remunerações e pensões não seriam atingidas pelos cortes. No caso destas contribuições sobre o subsídio de desemprego e de doença, não o tendo feito, o legislador deixou desprotegida uma categoria de cidadãos que recebem prestações de muito baixo valor, solução que está em desconformidade com o princípio da proporcionalidade (artigo 2.º da CRP). A solução adotada pelo Tribunal garante já alguma proteção que, a meu ver seria garantida de forma mais justa se o legislador tivesse fixado, ele mesmo, um patamar mínimo, segundo critérios de razoabilidade e paridade com outras categorias de cidadãos. IX. Se é verdade que, à partida, todas as normas gozam de presunção de constitucionalidade, não sendo exceção as normas orçamentais ou fiscais, a confiança creditada ao legislador não aumenta nos ciclos de crise. As leis orçamentais e fiscais, potencialmente ameaçadoras de direitos fundamentais, vivem sempre, como as demais, num tempo que é sempre o da Constituição. O prolongamento, ou mesmo o agravamento, dos momentos difíceis não deve trazer consigo um inelutável aligeirar do controlo da constitucionalidade das normas. Pelo contrário, bem se compreende que, nos momentos de tensão e de dificuldades várias, a Lei fundamental assuma papel destacado, enquanto bitola delimitadora da margem de liberdade de que dispõe o legislador. E se a energia vinculativa de uma norma constitucional pode, em certos aspetos e com apertados critérios, esmorecer no confronto com um interesse público de relevância absolutamente indiscutível, ainda e sempre a criatividade do legislador terá de funcionar no quadro da Constituição. Com base nos fundamentos sumariamente enunciados, afastei-me do juízo maioritário quanto às nor- mas acima mencionadas em IV. (redução remuneratória dos trabalhadores que recebem por verbas públicas), V. (CES), VI. (extensão do artigo 27.º aos contratos de docência e investigação) e VII. (no que respeita à
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