TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
207 acórdão n.º 187/13 em causa incidir sobre todas as prestações pecuniárias vitalícias pagas a título de pensões – sejam elas devidas por entidades públicas ou não – que há que atribuir à CES uma “natureza híbrida”. Trata-se, pois, indiscu- tivelmente, de um instrumento que opera pelo lado da receita e que, não constituindo uma receita patri- monial, só pode reconduzir-se à família das receitas tributárias, rectius, das prestações pecuniárias coativas. Ora, independentemente de saber se este tributo é um verdadeiro imposto ou uma contribuição finan- ceira, maxime , um tributo parafiscal, sempre haverá que reconhecer que o mesmo viola um dos mais elemen- tares princípios do Estado de direito, a saber, o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos (artigo 2.º da CRP). Cumpre explicar porquê. Não há dúvidas que a norma em crise não consubstancia uma situação de retroatividade expressamente proibida pela Constituição. No entanto, estando em causa um tributo, o princípio da proteção da confiança não deixa aí de assumir particular relevo, se e na medida em que se achem verificados os seus pressupostos operativos. Assim, à semelhança do que vem a jurisprudência constitucional reconhecendo em numerosos e relevantes arestos (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 556/03, 128/09 e 399/10, disponíveis em www.tribu- nalconstitucional.pt/ ), a conclusão pela inadmissibilidade de uma medida à luz do princípio da proteção da confiança depende, em primeiro lugar, de um juízo sobre a consistência e legitimidade das expectativas dos cidadãos visados, e, em segundo lugar, de um juízo quanto à prevalência do interesse público subjacente à medida sobre o interesse individual sacrificado pela mesma, a efetuar nos termos do princípio da proporcio- nalidade em sentido amplo ou da proibição do excesso. Ao contrário do que me parece decorrer do Acórdão, estes requisitos cumulativos encontram-se preen- chidos na hipótese vertente. De facto, sendo certo que a CES não representa uma inovação do Orçamento do Estado para 2013, integrando já os orçamentos de 2011 e 2012, julgo que, escrutinadas as suas finalidades ( v. g ., garantir a sustentabilidade financeira dos sistemas de proteção social, adaptar o montante de algumas pensões ao esforço contributivo efetivamente verificado), a configuração que veio a assumir não era previsível nem expectável por parte dos contribuintes outrora não abrangidos. Não se ignora, como aliás alertou o Acórdão n.º 399/10 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt/ ) , que o contexto de crise económico-financeira coloca, de per se, os cidadãos de sobreaviso, mitigando nessa medida a possível imprevisibilidade da atuação estadual nos domínios orçamental e tributário. Afigura-se- -nos, ainda assim, que aqueles contribuintes detinham expectativas consistentes quanto à conservação do regime jurídico da CES, porquanto esta teria como desiderato, paralelamente à obtenção de receita, a cor- reção de anomalias verificadas em algumas pensões a cargo do Estado (para além de que, como se afirma no Acórdão, se está perante pessoas «(…) na situação de reforma ou aposentação, portanto, chegadas ao termo da sua vida activa e obtido o direito ao pagamento de uma pensão calculada de acordo com as quotizações que deduziram para o sistema de segurança social, têm expectativas legítimas na continuidade do quadro legislativo e na manutenção da posição jurídica de que são titulares, não lhes sendo sequer exigível que tivessem feito planos de vida alternativos em relação a um possível desenvolvimento da actuação dos poderes públicos susceptível de se repercutir na sua esfera jurídica.»). Depois, tais expectativas devem ter-se por legítimas. Ou seja, não obstante existirem pensões cujos mon- tantes se afiguram manifestamente excessivos face às contribuições efetuadas, tal excesso é produto de uma intervenção do legislador democraticamente legitimado, não sendo reconduzível a uma situação de fraude, ilegalidade ou omissão (Jorge Reis Novais, Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa , Coimbra Editora, 2011, p. 267). Finalmente, conclui-se que, atenta a configuração concretamente assumida pela CES – isto é, tendo em consideração as taxas praticadas e o seu âmbito de incidência objetivo e subjetivo – esta não respeita os dita- mes do princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, revelando-se desnecessária e certamente desproporcionada em face dos fins públicos visados. Por um lado, a figura em crise sofre de um deficit claro de racionalidade: o seu âmbito subjetivo de aplicação é mais amplo do que aquilo que seria consonante com o escopo que lhe é inerente, circunstância, aliás, igualmente reveladora da sua inexigibilidade. Por outro, a
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