TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
196 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL no Acórdão, a propósito da redução remuneratória dos trabalhadores da Administração Pública, “o que distingue as verbas despendidas com as remunerações dessa categoria de trabalhadores [ – tal como sucede com outras rubricas da despesa pública corrente, poderá acrescentar-se – ] é o seu impacto certo, imediato e quantitativamente relevante nas despesas correntes do Estado”. Em segundo lugar, a receita fiscal traduz-se numa diminuição do rendimento disponível dos particulares e, mesmo que tal receita venha a ser afetada a despesas com pessoal e com prestações sociais, aumentando desse modo a procura interna (e, assim, contri- buindo para a dinamização da economia por via do aumento do consumo), a verdade é que, por isso mesmo, e numa medida muito significativa, a poupança indispensável ao investimento não deixará de ser prejudicada (argumento da afetação da poupança). Finalmente – e esse é o aspeto mais crítico e específico da crise em que nos encontramos – está em causa na presente situação também a sustentabilidade da própria dívida externa portuguesa, de que a dívida pública é uma componente não negligenciável (aquela dívida inclui, além da componente imputável ao Estado, a dívida dos bancos, das empresas e de todos os particulares). Segundo a “Nota de Informação Estatística do Banco de Portugal”, de 21 de fevereiro de 2013 (dispo- nível em http://www.bportugal.pt/EstatisticasWEB/ ) , sem prejuízo da evolução positiva ao nível da capacidade de financiamento (o saldo da balança corrente e de capital foi em 2012, e pela primeira vez em muitos anos, positivo: 0,8% do PIB), no final de 2012 a dívida externa líquida portuguesa situou-se em 164,6 mil milhões de euros, o equivalente a 99,1% do PIB (12,8 pontos percentuais acima do observado no final de 2011). Este valor, em si mesmo, é significativo a vários títulos. Em primeiro lugar, ocorreu durante demasiado tempo um excesso do consumo sobre a produção, um excesso de despesa que teve de ser financiado por dívida (argumento do excesso de consumo ou do sobreendi- vidamento). Em segundo lugar, o nível de endividamento líquido face ao exterior comprova a dependência de Portugal relativamente ao financiamento externo: o País, antes de concluir o ajustamento a que se comprome- teu internacionalmente, e de recuperar parte significativa da sua capacidade líquida de financiamento, só pode continuar a funcionar cumprindo todas as suas tarefas constitucionais, mesmo que com sacrifícios acrescidos, desde que continue a obter financiamentos provenientes do exterior. Depois, a evolução negativa ao longo dos últimos anos só foi possível devido a um crescimento económico muito débil, quase anémico. Em quarto lugar, a conjugação dos três aspetos anteriores justifica as dúvidas dos credores internacionais quanto à real capacidade da «economia portuguesa» de «pagar aquilo que deve» (argumento da insustentabilidade da dívida externa) – circunstância que, por sua vez, explica o aumento dos spreads e as dificuldades em obter financiamento nos mercados sem apoio institucional externo (o que vale sobretudo para o Estado, mas, como se viu, em 2011 quando foi necessário pedir ajuda financeira externa, também diz respeito aos bancos). Finalmente, a inversão da trajetória de crescimento da dívida externa exige que a economia cresça e que a balança corrente e de capital apresente saldos positivos (segundo estimativas do FMI publicitadas na imprensa portuguesa, um crescimento do PIB da ordem dos 2% combinado com um saldo externo de cerca de 5% do PIB). A consequência que se impõe retirar desta análise é a de que na atual crise financeira que Portugal atra- vessa há aspetos conjunturais e aspetos estruturais. Conjuntural foi – e continua a ser – a incapacidade do País se financiar autonomamente nos mercados. Porém, a necessidade de inverter a trajetória de endivida- mento – e, portanto, de reduzir drasticamente o consumo público e privado, ajustando-o à real capacidade produtiva – é estrutural, no sentido de que não é sustentável continuar ou retomar o caminho seguido até 2011. Daí ser pertinente apreciar muitas das medidas que na justificação da Lei do Orçamento do Estado para 2013 – o já aludido “Relatório do Orçamento do Estado para 2013” – são apresentadas como «medi- das excecionais de estabilidade orçamental» ou como «medidas conjunturais», não apenas como tal, mas, prospectivamente, enquanto medidas de caráter mais duradouro ou, porventura, mesmo estrutural. E, pelo menos prima facie , a passagem pelo crivo da admissibilidade estrutural imporá, até por maioria de razão, a sua aceitação temporária durante o período do exercício orçamental. 5. Assim, por exemplo, no que se refere à manutenção da redução remuneratória referente aos traba- lhadores da Administração Pública (artigo 27.º da Lei do Orçamento do Estado para 2013), concordando
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