TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
186 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL plenamente a ideia da unidade do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares: em sede de IRS mantêm- -se, ainda hoje, diversos elementos de sentido contrário, designadamente, a utilização de várias categorias de rendimentos e, mais intensamente, a existência de taxas liberatórias para certas categorias de rendimentos. Tendo isso presente, e a realidade pré-constitucional que a regra visou, em primeira linha, contrariar, ganha consistência a ideia de que é sobretudo a fragmentação de rendimentos pessoais, de acordo com as suas distintas fontes, e não tanto, como resulta da sobretaxa, a sobreposição de uma taxa suplementar às taxas já incidentes sobre um valor global de todo o rendimento pessoal, compreensivamente calculado, que põe em causa a observância da unidade. Considerando a concentração de todos os rendimentos pessoais numa única base de incidência tributá- ria como a dimensão essencial da regra constitucional da unidade, esta não é afetada, no fundamental, pelo regime da sobretaxa, não obstante as especificidades que ele apresenta, em relação ao do IRS. Os elementos dissonantes, incidindo aliás, em parte, sobre aspetos secundários, de pura “execção, como é a forma de liquidação, mais não representam do que uma acomodação (transitória) do sistema de imposto sobre o ren- dimento pessoal a interesses públicos relevantes. Essa iniciativa está incluída na margem de conformação que não pode deixar de caber ao legislador infraconstitucional, na medida em que a resposta normativa adequada a situações de grave dificuldade financeira do Estado exige juízos e ponderações que são próprios da função político-legislativa. E a resposta mantém-se dentro dos limites do constitucionalmente admissível, desde que não comprometa os valores, constitucionalmente tutelados, de igualdade e justiça fiscal, que incumbe à forma de tributação do rendimento pessoal contribuir para realizar, também através da regra da unidade. 110. Uma outra questão que se coloca é a de saber se a sobretaxa preenche o requisito da progressividade do imposto sobre o rendimento. É sabido que a sobretaxa tem uma taxa fixa de 3,5%, que incide sobre os rendimentos que excedam, por sujeito passivo, o valor anual da retribuição mínima mensal garantida. Estamos assim perante um tributo que se afasta da lógica de progressividade que inspira o artigo 68.º do Código do IRS, na medida em que pressupõe a aplicação de uma mesma taxa aos rendimentos cobertos pelo respetivo âmbito de incidência, independentemente dos montantes que, em cada caso, possam estar em causa. Não é possível, no entanto, afirmar que essa é uma taxa meramente proporcional. Estabelecendo a lei uma isenção até ao limite do valor anual da retribuição mínima mensal garantida, a subtração desse valor ao rendimento coletável, para efeito do cálculo da receita a cobrar, confere à sobretaxa um mínimo de progressividade, no ponto em que a coleta aumenta, não apenas em função da grandeza dos rendimentos tributados, mas também em razão da maior diferença do valor do rendimento por referência à remuneração mínima garantida. Contudo, o ponto que parece ser decisivo, e que resulta da conclusão a que já antes se chegou quanto à regra da unidade, é que a consideração conjunta da sobretaxa e do IRS e ao seu efeito agregado sobre a esfera patrimonial dos contribuintes, mantém, na globalidade do sistema, um suficiente índice de progressividade. Ou seja, uma sobretaxa de taxa única conduz, sem dúvida, a uma progressividade em menor grau do imposto sobre o rendimento pessoal do que a que resultaria se a sobretaxa estivesse submetida a taxas marginais pro- gressivas. Mas ela está ainda dentro da margem de liberdade do legislador fiscal, pois não se mostra manifes- tamente ofensiva da progressividade constitucionalmente exigida. Foi essa também a solução a que se chegou no Acórdão n.º 11/83, que se pronunciou, ainda que num contexto normativo diverso, sobre a constitucionalidade de um imposto extraordinário sobre os rendimen- tos, em que se tomou em linha de conta que, ainda que as taxas previstas não respeitem o princípio da pro- gressividade, a tributação do rendimento pessoal não deixa de continuar a ser sujeita a uma taxa progressiva, por efeito das taxas fixadas na lei fiscal para outros impostos sobre o rendimento. É de concluir que a criação de “sobretaxa em sede de IRS”, com natureza excecional e transitória, destinada a dar resposta a necessidades de finanças públicas extraordinárias, não contende com as regras da progressividade e da unidade na tributação do rendimento pessoal, estabelecidas no artigo 104.º, n.º 1, da Constituição da República.
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