TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
185 acórdão n.º 187/13 108. A obtenção de receita fiscal adicional, através do lançamento de uma sobretaxa extraordinária sobre os rendimentos sujeitos a IRS, já ocorreu em 2011, em plena execução orçamental, tendo sido politicamente fundamentada nas exigências de cumprimento do défice estabelecido para esse ano, no âmbito do PAEF, acordado com as instituições europeias e com FMI. Para esse efeito, a Lei n.º 49/2011, de 7 de setembro, veio estabelecer uma sobretaxa extraordinária de 3,5% para vigorar apenas no ano fiscal de 2011 (n.º 3 do artigo 2.º da citada Lei). Não obstante a transitoriedade da medida, ela foi consagrada através de um adita- mento de duas normas ao CIRS (artigos 72.º-A e 99.º-A), cuja vigência entretanto caducou. Na Lei do Orçamento do Estado para 2013, agora questionada, optou-se por técnica legislativa diversa: a sobretaxa em sede do IRS é agora consagrada, não em aditamento ao CIRS, mas em norma da própria lei do orçamento (artigo 187.º), sem que se faça qualquer referência à sua vigência temporal. Não pode, no entanto, haver dúvida quanto ao caráter não permanente desta sobretaxa. É certo que o artigo 187.º não constitui uma mera discriminação de receitas e despesas do Estado, como é típico das normas com natureza especificamente orçamental. No entanto, como se salientou no Acórdão n.º 396/11, sobre norma diversa que colocava problema idêntico, estas são normas que «não podem ser consideradas cavaliers budgétaires , pois apresentam uma imediata incidência financeira, já que visam diretamente reduzir o valor das despesas [neste caso, aumentar as receitas] inscritas no orçamento para o ano a que respeita. Não pode, assim, sustentar-se que elas regulam matéria alheia à função específica e mais estrita do orçamento, enquanto instrumento de programação anual económico-financeira da atividade do Estado. Pelo contrário. Dando suporte normativo a uma dada previsão de despesas, e sendo a sua aplicação indispensável à sua cor- reta execução, elas repercutem-se diretamente no próprio quadro contabilístico do orçamento, integrando-se substancialmente neste diploma, como sua componente essencial. E nisso parece esgotar-se a sua eficácia, pois não se projetam, com independência, para fora da aprovação e execução do Orçamento do Estado.» Forçoso é, por isso, concluir que a sobretaxa em sede do IRS vertida no sobredito artigo 187.º constitui uma medida de caráter orçamental que, por força da regra do n.º 1 do artigo 106.º da Constituição, não pode gozar de vigência que não seja anual. 109. As questões de constitucionalidade que vêm entretanto suscitadas respeitam a saber se a sobretaxa é suscetível de violar os princípios da unidade e da progressividade do imposto sobre o rendimento, como tal consagrados no artigo 104.º, n.º 1, da Constituição. Para uma resposta afirmativa, quanto ao primeiro desses princípios, poderia concorrer a circunstância de a sobretaxa poder ser caracterizada como um “ imposto extraordinário” ou um “adicional extraordinário a um imposto”, qualificação que foi, aliás, seguida no Acórdão n.º 412/12, a respeito da sobretaxa extraordi- nária de 2011 (ainda que se apreciasse aí apenas a validade constitucional da norma do artigo 2.º, n.º 4, da Lei n.º 49/2011, na parte em que fazia reverter integralmente a receita da sobretaxa para o Orçamento do Estado). No entanto, e apesar de poder aceitar-se essa qualificação, não é evidente que implique uma violação ao princípio da unidade do imposto. Deve começar por dizer-se, a este propósito, que o princípio acolhido no citado artigo 104.º, n.º 1, da Constituição, levaria, no seu alcance máximo, à consagração de um “imposto único” que, englobando todos os rendimentos pessoais, submetesse essa base tributária a um regime unitário, a taxas iguais e progressivas, sem quaisquer distinções entre os diferentes tipos de rendimentos. A unidade do imposto sobre o rendimento pessoal foi inscrita logo na versão originária da Constituição de 1976 (no então artigo 107.º), num contexto em que o sistema de impostos pré-constitucional assentava numa tributação parcelar (cedular) dos rendimentos, consoante a respetiva natureza ( v. g. contribuição predial, indus- trial, imposto profissional) a que, mais tarde, foi adicionado um imposto complementar. Apesar do comando constitucional, o sistema cedular de tributação e a sua substituição pelo atual imposto sobre o rendimento das pessoas singulares só ocorreu com a reforma do sistema fiscal de 1984-1988, cujos objetivos foram assumi- damente os da equidade, eficiência e simplicidade do sistema fiscal. E, ainda assim, essa reforma não atingiu
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