TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
179 acórdão n.º 187/13 cabe ao sistema fiscal, no seu conjunto, de promover uma justa repartição dos rendimentos e da riqueza. Con- sequentemente, a Constituição exige mais do que uma qualquer progressividade, exige uma progressividade com a virtualidade intrínseca de contribuir para uma diminuição da desigualdade de rendimentos. Assim, à luz da Constituição, não é possível validar um sistema de “progressividade mínima”, tradu- zido na existência de uma taxa única, proporcional ( flat tax ), associada à garantia da não tributação do rendimento correspondente ao mínimo de existência. Como salienta Saldanha Sanches ( Manual de Direito Fiscal , p. 237), o objetivo constitucional da “repartição justa dos rendimentos” não é compatível com uma progressividade mínima, pois a existência de um imposto de rendimento pessoal que vise a “diminuição das desigualdades” implica «um grau mais elevado de progressividade do que aquele que existe num sistema que, sem conter preocupações redistributivas, se limita a não tributar os rendimentos mínimos». No caso em apreço, as alterações operadas pela Lei do Orçamento não são reconduzíveis a uma situação de mera proporcionalidade ou sequer de progressão mínima. O sistema continua a revelar suficiente sensibi- lidade à diferença de níveis de rendimento para se poder concluir que a fração livre de imposto é proporcio- nalmente mais elevada para os rendimentos mais baixos, com um assinalável grau de progressão. Na verdade, o rendimento coletável continua a ser distinguido através da sua distribuição por um número considerável de escalões (cinco), suficientemente diferenciador de vários níveis de rendimento, aos quais são aplicáveis taxas progressivas, ou seja, crescentemente mais elevadas à medida que aumenta a matéria coletável (efeito que é acentuado pela existência de taxas normais e taxas médias dentro de cada escalão, com exceção do último). A redução do número de escalões, ainda que associada a um aumento generalizado das taxas corres- pondentemente aplicáveis, deixa ainda de pé uma taxação progressiva, da qual não pode ser afirmado que se revela manifestamente inadequada a uma justa repartição de rendimentos. É certo que a diminuição do número de escalões coloca dentro do mesmo escalão rendimentos muito diferentes (há escalões em que o limite mínimo do rendimento coletável é metade do seu limite máximo) e essa diferença não será totalmente esbatida pela regra do n.º 2 do artigo 68.º que determina a divisão do quantitativo do rendimento coletável em duas partes e a correspondente aplicação de taxas diferenciadas: a taxa média (tendencialmente mais baixa) a uma parte do rendimento e a taxa normal ao excedente. No entanto, ainda que as alterações aos escalões possam corresponder a uma certa diminuição do grau de progressividade, ela não é, em si mesma, inconstitucional. Concretamente, o número de escalões agora fixado (cinco), a existência de taxas diferenciadas e progressivas para os diversos escalões e a existência de duas taxas dentro de cada escalão (com exceção do primeiro), não permitem concluir pela violação do prin- cípio constitucionalmente estabelecido, pois, ainda que o grau de progressividade tenha sido reduzido, essa redução situa-se na margem de livre conformação da política fiscal. Só não o seria se da nova configuração se pudesse afirmar – o que não é o caso – que ela ostensivamente não contribui para a repartição justa dos rendimentos. 100. O mesmo se diga relativamente à “taxa adicional de solidariedade” consagrada no artigo 68.º-A do CIRS. Esta corresponde a uma verdadeira “taxa adicional”, na medida em que “apenas” eleva a taxa aplicável ao último escalão, sendo certo que, com a alteração operada pela Lei do Orçamento, tal aumento é agora dotado de maior progressividade, nos termos acima referidos. Acresce que, contrariamente à alteração ope- rada ao artigo 68.º, a manutenção de uma “taxa adicional de solidariedade” não pode deixar de se entender como limitada ao ano orçamental em curso, atenta a natureza extraordinária da medida em causa. Por isso e também pelas razões já aduzidas a propósito da alteração da estrutura dos escalões e das taxas gerais previstas no artigo 68.º, não se afigura que a referida taxa adicional de solidariedade se apresente des- conforme à Constituição. Pelo exposto, o Tribunal pronuncia-se pela não inconstitucionalidade da norma do artigo 186.º da Lei do Orçamento do Estado para 2012, na parte em que alterou os artigos 68.º e 68.º-A do CIRS.
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