TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
178 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Essa exigência está expressamente consagrada no âmbito da tributação do rendimento pessoal. De acordo com o n.º 1 do artigo 104.º, o imposto sobre o rendimento pessoal visa «a diminuição das desigual- dades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar». A progressividade fiscal requer que a relação entre o imposto pago e o nível de rendimentos seja mais do que proporcional, o que só pode alcançar-se aplicando aos contribuintes com maiores rendimentos uma taxa de imposto superior. Por outras palavras, há progressividade quando o valor do imposto aumenta em proporção superior ao incremento da matéria coletável. A progressividade é passível de mais do que uma justificação teórica. Numa certa perspetiva, ela surge associada ao princípio da capacidade contributiva, à luz da teoria marginalista, segundo a qual «o rendi- mento vale tanto menos para o contribuinte quanto maior ele é» (cfr. autores citados em Sérgio Vasques, “Capacidade Contributiva, Rendimento e Património” , in Fiscalidade, Revista de Direito e Gestão Fiscal, 23, julho-setembro 2005, Separata, pp. 15-45). Para os defensores desta perspetiva, «o princípio da capacidade contributiva exige que os contribuintes sejam tratados com igualdade e que os seus pagamentos impliquem um sacrifício igual para cada um deles, resultando daí que a tributação progressiva será mais justa que a proporcional, pois que o sacrifício objetivo que é imposto pela tributação é tanto menor quanto maior for o rendimento» (Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro , vol. II, 4.ª edição, Coimbra, p. 195). Ao controlo de constitucionalidade interessa apenas um conceito normativo de progressividade, ajus- tado às opções de valor que informam toda a Constituição. 98. “Progressividade” é um conceito indeterminado, suscetível de graus muito diversificados de concre- tização. E não é possível inferir do imperativo constitucional o grau de amplitude que, em concreto. permita satisfazer o requisito de progressividade exigível. Ainda que mais detalhada, em domínio fiscal, do que mui- tas outras leis fundamentais, a Constituição portuguesa não se pronuncia sobre o número de escalões nem sobre a grandeza das taxas respetivas, questões que são deixadas à margem de apreciação político-legislativa. Na verdade, o grau de progressividade, assim como o nível de tributação, a carga fiscal ou a relação entre os diferentes impostos são questões de “política fiscal” que é, ela própria, um instrumento de política governa- mental (neste sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit ., p. 1102). Mas isso não significa que a Constituição não tenha estabelecido, nesta matéria, um conjunto de vin- culações objetivas, que condicionam intensamente a ordem infraconstitucional e a liberdade do legislador ordinário, sobretudo quanto ao imposto sobre o rendimento pessoal. Como contexto mais amplo (e também mais difuso) de referências valorativas, há a reter que a ordem constitucional comete ao Estado, especificamente através da política fiscal, a incumbência de operar as neces- sárias correções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento [artigo 81.º, alínea b) ]. No âmbito específico da “constituição fiscal”, estabelece-se a funcionalização do sistema fiscal a uma justa repartição dos rendimentos e da riqueza, a par da satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas (artigo 103.º, n.º 1). Como corolário, prescreve-se, no artigo 104.º, n.º 1, visando a “diminuição das desigualdades”, a pro- gressividade do imposto sobre o rendimento pessoal, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar. Numa interpretação articulada do conjunto dos segmentos do disposto no artigo 104.º, n.º 1, e inte- grada no contexto das opções constitucionais que enquadram esse regime, impõe-se a conclusão de que a progressividade aí expressamente consagrada é “um elemento intrínseco do Estado social configurado na Constituição” (assim, Gomes Canotilho/ Vital Moreira, ob. cit ., p. 1089; Estabelecendo também uma liga- ção da progressividade ao princípio do estado social, Casalta Nabais, ob. cit. , pp. 555-577). 99. Tendo isso presente, é seguro que nem todos os modos e graus de concretização de progressividade do imposto sobre o rendimento pessoal satisfazem a exigência constitucional. Esse elemento conformador dessa espécie de imposto é estabelecido como forma de cumprimento, constitucionalmente vinculada, da tarefa que
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=