TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
173 acórdão n.º 187/13 89. Porém, mesmo que entenda tratar-se de uma medida de natureza tributária destinada a obter uma receita suplementar para o sistema previdencial da segurança social, não pode deixar de qualificar-se essa medida como um tributo parafiscal equivalente às contribuições para a segurança social, ainda que incidindo sobre os sujeitos ativos da relação prestacional, e que, pela sua própria natureza, e à semelhança do que também sucede com a CES, não se encontra subordinada aos princípios da constituição fiscal, e, designada- mente, aos princípios da unicidade e da universalidade do imposto. A incidência de uma obrigação contributiva sobre os próprios beneficiários ativos, isto é, sobre aqueles que, em determinado momento, se encontram na situação de risco social que é coberto pelo pagamento de prestações substitutivas dos rendimentos de trabalho, poderá pôr em causa, num sentido estrito, o princípio da contributividade e a correlação entre a quotização e o direito no futuro a uma prestação social, mas não descaracteriza, em si, a relação jurídica contributiva, ou seja, a existência de uma relação jurídica do tipo tributário. A “sobrecarga contributiva” fixada nestes termos, que vai onerar precisamente as categorias de sujeitos que se encontram numa posição de vulnerabilidade – em razão da qual foi organizado o sistema de proteção –, não suscita em si um problema de invalidade constitucional por referência ao direito à segurança social (artigo 63.º, n.º 3, da Constituição), constituindo antes um desvio ao funcionamento do sistema, na medida em que introduz uma nova modalidade de financiamento da segurança social que abarca os próprios bene- ficiários das prestações sociais. Podendo apenas discutir-se, em tese geral, a razoabilidade ou a proporciona- lidade da medida. Assim sendo, mesmo na perspetiva de que estamos perante uma receita do sistema previdencial, a ques- tão que é colocada pelos requerentes reconduz-se a saber se é constitucionalmente legítimo, por referência aos princípios decorrentes dos artigos 59.º, n.º 1, alíneas e) e f ) , e 63.º da Lei Fundamental, operar a dimi- nuição do montante pecuniário que é devido nas situações de doença ou desemprego. E a resposta a essa questão não será diversa daquela que puder ser formulada quando se entenda, diferentemente, que o artigo 117.º da Lei do Orçamento não pretendeu mais do que instituir uma medida de redução de despesa. 90. O n.º 3 do artigo 63.º da Constituição, inserido no capítulo dedicado aos “Direitos e deveres sociais”, estabelece que «[o] sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho». Especificamente quanto aos trabalhadores que “involuntariamente se encontrem em situação de desemprego”, o artigo 59.º, n.º 1, alínea e) , inserido no capítulo dedicado aos “Direitos e deveres económicos”, confere expressamente a esses trabalhadores o direito a “assistência material”. Assim, o subsídio de desemprego, que tem uma «função sucedânea da remuneração salarial de que o trabalhador se viu privado», constitui um «direito fundamental dos trabalhadores», embora a sua concretização esteja dependente das «disponibilidades financeiras e materiais do Estado» (Jorge Miranda/ Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , Tomo I, p. 1160, e Acórdão n.º 275/07). A inserção sistemática do artigo 59.º revela que os direitos consagrados neste preceito são configurados como direitos económicos, sociais e culturais, ainda que algumas das dimensões dos direitos aí enunciados possam ter uma estrutura análoga à dos direitos, liberdades e garantias, aplicando-se-lhes, quando assim seja, o regime dos direitos liberdades e garantias, nos termos do artigo 17.º ( idem , p. 1148). Diversamente do que acontece com o subsídio de desemprego, não há, na Constituição, uma referên- cia expressa à assistência material por doença não profissional. O âmbito de tutela da alínea f ) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição abrange apenas os acidentes de trabalho e as doenças profissionais, pelo que esse preceito, contrariamente ao invocado, não fornece um parâmetro adequado de fiscalização da norma aqui questionada. No ordenamento infraconstitucional, esse direito está concretizado nas prestações por riscos profissionais, designadamente prestações por incapacidade e por morte. Diversamente, a “doença” que per- mite acionar o subsídio aqui em causa é necessariamente uma doença não profissional e não decorrente de acidente de trabalho.
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