TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013

156 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ­jurídicas subjetivas de direito público com conteúdo patrimonial. Pode aí colher-se uma elaboração dogmática em torno da admissibilidade da fundamentação da tutela dos direitos dos pensionistas no direito de proprie- dade, bem como acerca da extensão e consequências, no plano jurídico-constitucional, dessa mesma tutela. Assim, o Tribunal Constitucional federal alemão tem considerado que devem ser consideradas “proprie- dade” aquelas posições jurídicas relativas a prestações do sistema público de segurança social que (i) estiverem adscritas ao titular do direito e (ii) se basearem numa prestação própria. A mesma instância jurisdicional teve já oportunidade de esclarecer que não é possível cindir a prestação de reforma em parte financiada pelo Estado e em parte resultante da contribuição própria, e que, portanto, se deve entender que a garantia constitucional da propriedade abrange a totalidade da posição jurídica. Do mesmo modo, da aplicação dos critérios elaborados pela dogmática geral da propriedade à matéria de prestações da segurança social resulta que a validade de normas legislativas que venham afetar posições jurídicas relativas a prestações sociais deverá ser aferida face aos critérios elaborados para a determinação do conteúdo e limites da propriedade, que são determinados pelo Tribunal Constitucional alemão em função do princípio da proporcionalidade. 61. Também a nível do direito internacional convencional, é comum o estabelecimento dessa conexão. Desde logo, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) tem repetidamente afirmado que os princípios relativos ao direito de propriedade, consagrado no artigo 1.º do Protocolo 1 da Convenção Euro- peia dos Direitos do Homem (CEDH), se aplicam, em termos gerais, às situações em que estejam em causa pensões. Aquela disposição não garante, porém, o direito a adquirir propriedade ou a exigir uma quantia concreta a título de pensão. Todavia, quando um Estado tenha legislação que institua e regule o pagamento de pensões – independentemente de a sua natureza ser ou não contributiva – essa legislação gera um “inte- resse proprietário” que está abrangido pelo âmbito do mencionado Protocolo 1. Assim, a redução ou can- celamento de uma pensão pode ser considerada como uma interferência no gozo da propriedade que carece de fundamentação adequada. Nestes termos, é necessária uma intervenção por via legislativa, justificada pela necessidade de prossecução de um interesse público, e observando o princípio da proporcionalidade nas suas várias dimensões (cfr., por todos, o acórdão do TEDH Grudic c. Serbia, de 17 de abril de 2012). 62. No fundo, os elementos de direito comparado a que vem de fazer-se referência permitem-nos chegar a uma dupla conclusão. Por um lado, doutrina e jurisprudência têm procurado fundar a tutela dos pensionistas no direito de propriedade nas situações em que os catálogos de direitos fundamentais que definem o parâmetro de validade das medidas legislativas e/ou administrativas passíveis de pôr em causa os direitos adquiridos dos pensionistas não contêm disposições relativas a direitos económicos, sociais e culturais, nomeadamente, ao direito à segurança social. Por outro lado, os critérios doutrinais e jurisprudenciais avançados para delimitar as consequências da tutela das prestações sociais – incluindo as pensões – em face do direito fundamental à pro- priedade privada acabam por reconduzir-se, de forma mais ou menos direta, à avaliação da conformidade das medidas passíveis de afetar as posições jurídicas em causa com os princípios da proteção da confiança e, acima de tudo, da proporcionalidade, nomeadamente na sua vertente de proibição do excesso. 63. No quadro constitucional português, e ainda que se admita a existência de uma dimensão proprietária no direito dos pensionistas, a sua proteção no específico âmbito de tutela do artigo 62.º é duvidosa, tendo em conta que existe uma norma dedicada ao direito à segurança social, aí se incluindo o direito à pensão – artigo 63.º (recusando essa possibilidade, Miguel Nogueira de Brito, A justificação da propriedade privada numa demo- cracia constitucional , Coimbra, 2007, p. 963, com fundamento em que isso conduziria a uma alteração do con- ceito constitucional de propriedade). Acresce que não existe, no nosso sistema de segurança social, uma relação direta entre a pensão auferida pelo beneficiário e o montante das quotizações que tenha deduzido durante a sua vida ativa (embora haja uma relação sinalagmática entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações – artigo 54.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro). Isso porque o sistema previdencial não assenta num “sistema de capitalização individual”, mas num “sistema de repartição”, pelo qual os atuais pensionistas auferem pensões

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