TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
149 acórdão n.º 187/13 29.º, n.º 2, estão, na prática, em situação idêntica àquela que determinou o juízo de inconstitucionalidade formulado por aquele outro aresto. E estas reduções suscitam ainda, do ponto de vista do “princípio da igualdade”, dificuldades acrescidas de validação constitucional, tendo em conta que rendimentos muitíssimo superiores, inclusive rendimentos do trabalho, a elas ficam imunes. 47. Poderia ainda questionar-se, neste universo de referência, se não é posto em causa o “direito funda- mental a uma existência condigna”, hoje tido como uma emanação garantística nuclear do “supraprincípio da dignidade da pessoa humana”, que foi expressamente convocado pelos requerentes do pedido que origi- nou o processo n.º 8/13. Desde cedo, a jurisprudência do Tribunal reconheceu na dignidade da pessoa humana «um verdadeiro princípio regulativo primário da ordem jurídica, fundamento e pressuposto de validade das respetivas nor- mas» (assim, Acórdão n.º 105/90), diretamente convocável, também na área de tutela atinente às condições materiais de vida. Nessa jurisprudência, o “núcleo essencial” da garantia de existência condigna, inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana, tem sido perspetivado, de forma reiterada e constante, por referência ao valor do salário mínimo nacional, considerado como «a remuneração básica estritamente indis- pensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador». Por tal valor «ter sido concebido como o “mínimo dos mínimos” não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo» (Acórdão n.º 62/02). Com base em tal enquadramento, o Tribunal tem entendido que a Constituição impõe a impenhorabili- dade de pensões sociais de montante reduzido, que não exceda o salário mínimo nacional e, quanto aos ren- dimentos do trabalho, inviabiliza a penhora que conduzir à privação da disponibilidade do salário mínimo nacional, quando o devedor não for titular de outros bens ou rendimentos suscetíveis de penhora (Acórdão n.º 177/02), o que tem por base a ideia de que «na fixação dos montantes do salário mínimo ocorrem não só considerações atinentes ao princípio de justiça comutativa e à própria ideia de dignidade do trabalho, mas também outras razões sociais e económicas, como as necessidades dos trabalhadores, o aumento de custo de vida, a evolução da produtividade, a sustentabilidade das finanças públicas». Em relação ao caso agora em análise, importa notar que o objeto de ponderação é uma intervenção normativa que afeta montantes remuneratórios de valor muito baixo, e o que está em causa é uma dimensão “negativa” da vinculação das entidades públicas aos direitos fundamentais, e não uma dimensão “positiva”, de criação ou manutenção dos pressupostos de facto e de direito necessários à efetivação de um direito fun- damental. De todo o modo, considerando que o valor da retribuição mínima mensal garantida a que se refere o n.º 1 do artigo 273.º do Código do Trabalho se encontra fixado em € 485 (Decreto-Lei n.º 143/2010, de 31 de dezembro) e que a medida agora prevista no artigo 29.º, n.º 2, apenas afeta trabalhadores do setor cuja remuneração mensal seja igual ou superior a € 600, não se torna, à partida, evidente a violação do princípio da sobrevivência condigna ou do direito ao mínimo de sobrevivência, à luz dos critérios que têm sido segui- dos e densificados na jurisprudência constitucional. 48. Em face de todo o exposto, o tribunal pronuncia-se no sentido da insconstitucionalidade da norma do artigo 29.º, por violação do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos e do princípio da igualdade proporcional, e da inconstitucionalidade consequencial da norma do artigo 31.º F. Norma que reduz os valores da retribuição horária referentes ao pagamento de trabalho extraordinário devido aos trabalhadores do setor público (artigo 45.º) 49. Do conjunto das normas impugnadas relativas ao regime remuneratório dos trabalhadores do setor público, a última diz respeito ao pagamento do trabalho extraordinário.
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