TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 86.º Volume \ 2013
147 acórdão n.º 187/13 44. Em contrapartida, o legislador, na escolha da decisão política, não poderia ter deixado de atribuir um relevo autónomo ao princípio da igualdade perante os encargos públicos, que é realizado tendencial- mente através do sistema fiscal. E que constitui a necessária decorrência da caracterização Estado português como um estado fiscal, «em que a figura do imposto constitui o tipo regra de tributo, ou seja, em que o suporte financeiro normal de realização do bem comum da responsabilidade do Estado (e demais entes públicos) se traduz em encargos gerais …» (Casalta Nabais, «O princípio do Estado Fiscal», in Estudos jurídicos e económicos em homenagem ao Professor João Lumbrales , Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2000, p. 386). No caso vertente, o legislador, na sequência da declaração de inconstitucionalidade emitida pelo Tribu- nal Constitucional em relação às medidas previstas nos artigos 21.º e 25.º da Lei do Orçamento do Estado para 2012, e pretendendo extrair as devidas consequências dessa decisão, determinou, em relação aos traba- lhadores do setor público, a suspensão para o exercício orçamental de 2013 de apenas um dos subsídios, que é complementada, como medida compensatória desse aumento de despesa, pela aplicação de uma sobretaxa de 3,5%, e que faz reverter a favor dos cofres do Estado o pagamento em duodécimos do subsídio de Natal, que foi entretanto reposto. Introduziu ainda um forte agravamento fiscal, que afeta todos os contribuintes, por via quer da redução dos escalões de IRS, quer de diversas outras medidas fiscais avulsas, em que avulta a redução das deduções à coleta (artigo 186.º). A pretendida execução da decisão do Tribunal Constitucional determinou, nestes termos, um agrava- mento da situação fiscal dos contribuintes em geral, e um agravamento, em particular, da posição dos trabalha- dores da Administração Pública, que ficaram sujeitos, pelo efeito cumulado das reduções salariais, da supressão de um subsídio e do aumento da carga tributária, a uma perda de rendimento disponível superior àquela que já resultava das medidas que tinham sido implementadas no âmbito do Orçamento do Estado para 2012. No Relatório do Orçamento do Estado para 2013, sustenta-se que, através de um conjunto de medidas transversais de caráter fiscal, que envolve a referida sobretaxa sobre os rendimentos das pessoas singulares, o aumento (reduzido) da taxa liberatória sobre os rendimentos de capitais e a manutenção da taxa de solidarie- dade sobre os rendimentos mais elevados, além do agravamento fiscal por via das alterações feitas ao Código do IRS pelo artigo 186.º da Lei do Orçamento, se procurou respeitar “a igualdade proporcional perante os impostos e, desse modo, respeitar a justa repartição dos encargos públicos” (p. 41). Considerando-se, nessa linha de argumentação, que o alcance das medidas de contenção orçamental que atingem apenas os traba- lhadores do setor público são agora de alcance mais limitado. Importa reter, no entanto, que a redução salarial aplicada aos trabalhadores da Administração Pública, por efeito da cumulação da diminuição da remuneração mensal, que vigora desde 2011, com a suspensão de um dos subsídios agora imposta, representa objetivamente um entorse ao princípio da igualdade de contri- buição para os encargos públicos, implicando que certos sujeitos passivos do imposto (definidos em função de certo estatuto profissional) disponham de menor capacidade económica para satisfazer o aumento de encargos fiscais que foi imposto generalizadamente a todos os cidadãos. Numa situação conjuntural em que se pretende fazer face a objetivos de consolidação orçamental, a penalização de uma certa categoria de pessoas por intermédio da conjugação de medidas de agravamento fiscal e de diminuição de salários, põe em causa o modo de distribuição dos encargos públicos. O Tribunal decidiu já, através dos falados Acórdãos n. os 396/11 e 353/12, que é admissível efetuar alguma diferenciação entre os trabalhadores do setor público e os do setor privado, apenas pelo facto de aqueles serem remunerados por verbas públicas. Não excluindo que o legislador, em excecionais circunstân- cias económico-financeiras, e como meio de rapidamente diminuir o défice público, possa recorrer a uma medida de redução dos rendimentos de trabalhadores da Administração Pública, ainda que essa medida se traduza num tratamento desigual, relativamente a quem aufere rendimentos provenientes do setor privado da economia, por considerar que há ainda aí uma justificação que afasta a eventual violação do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos.
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