TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012

72 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a outras entidades – ao Estado ou a autarquias locais – de receitas fiscais cobradas ou geradas nas regiões autónomas se faça nos termos previstos nos estatutos político-administrativos e na lei das finanças regio- nais – diplomas legais com valor reforçado que, em vista da garantia da autonomia regional na sua vertente financeira, e em atenção ao direito constitucionalmente reconhecido de as regiões autónomas disporem de receitas próprias, exigem uma intervenção de tais regiões no respetivo procedimento legislativo (cfr. os artigos 226.º e 229.º, n.º 3, ambos da Constituição) – ; a previsão de uma tal atribuição de receitas fiscais a favor dos municípios apenas na lei das finanças locais, precisamente porque se trata de diploma legal aprovado sem qualquer interferência das regiões autónomas, não é suficiente para a legitimar e, ao colocar na disponibilida- de exclusiva do legislador ordinário receitas fiscais cobradas ou geradas nas regiões autónomas, atenta contra uma dimensão essencial da respetiva autonomia político-administrativa. Com efeito, o artigo 212.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (a Lei do Orçamento do Estado para 2012), esclarece, com força de lei interpretativa, que a receita dos municípios correspondente à partici- pação variável até 5% no IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respetiva circunscrição territorial, a determinar nos termos do artigo 20.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro (a Lei das Finanças Locais), é uma quota na receita total do IRS, e não uma quantia ou valor de cálculo correspondente àquela percentagem do valor total da receita de IRS. A diferença é substancial: no primeiro caso – correspondente à interpretação acolhida no citado artigo 212.º da Lei n.º 64-B/2011 – a parte da receita de IRS atribuída aos municípios já não pode ser entregue a outras entidades, em especial às regiões autónomas; no segundo caso, a percentagem considerada funciona como simples base de cálculo do valor a atribuir aos municípios, nada impedindo que a receita de IRS consignada como receita própria de determinadas entidades, nomeadamente das regiões autónomas, continue a ser-lhes entregue. É exato que, por força do princípio da unidade do Estado, a autonomia regional e a autonomia local não se movem em planos distintos; as duas esferas de autonomia afirmam-se separadamente, em simultâneo e com base na Constituição, frente ao Estado. Daí que, assim como existem relações imediatas entre o Esta- do e as duas regiões autónomas, também sejam admissíveis, com ressalva das exceções constitucionalmente previstas [como sucede, por exemplo, no caso da tutela administrativa – artigo 227.º, n.º 1, alínea m) , da Constituição], relações imediatas entre o Estado e as autarquias locais situadas nos arquipélagos dos Açores e da Madeira (e, por isso, nada obsta à solução adotada no segmento da noma sob fiscalização, segundo o qual a entrega do valor correspondente à participação variável dos municípios na receita de IRS é feita di- retamente pelo Estado aos municípios situados nas regiões autónomas, sem a intermediação destas últimas; cfr. o n.º 21 do Parecer da Comissão Constitucional n.º 28/78 citado no Acórdão; vide também, António Lobo Xavier e Francisco Mendes da Silva, “A Repartição dos Recursos Públicos entre o Estado, as Regiões Autónomas e as Autarquias Locais: Uma abordagem a Propósito de Controvérsia Recente Acerca do Direito dos Municípios a uma Participação Variável no IRS” in Estudos em Homenagem a Miguel Galvão Teles , vol. I, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 893 e segs., pp. 917-918). Daí, também, que, em princípio, não possa haver por parte do Estado diferenças de tratamento entre autarquias localizadas nos arquipélagos dos Açores e da Madeira e autarquias localizadas no continente. Contudo, nesse plano das relações imediatas, importa considerar o modo como tais relações se encon- tram conformadas constitucionalmente, em especial no tocante à vertente das finanças públicas. O poder de disposição, “nos termos dos estatutos e da Lei de Finanças das Regiões Autónomas”, das receitas fiscais cobradas ou geradas nas regiões autónomas representa uma garantia mínima de autonomia financeira das regiões autónomas (no Acórdão deste Tribunal n.º 499/08 – no respetivo n.º 8 – é referido, a propósito, o conceito de «reserva regional de receitas cobradas e geradas no respetivo território»), uma vez que tem o sentido de estabelecer aquilo que, em princípio, deverá ser o mínimo da contribuição do Estado (a «República») para as finanças regionais: os residentes das Ilhas não contribuem para as despesas gerais do Estado; os impostos estaduais por si pagos revertem para a respetiva região autónoma (nesse sentido, vide António Lobo Xavier, “As receitas regionais e as receitas das outras parcelas do território nacional: concre- tização ou violação do princípio da igualdade?” in Direito e Justiça , vol. X, tomo I, 1996, pp. 173 e segs.,

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