TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
70 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Verifica-se, assim, que o poder de disposição das receitas fiscais atribuído às regiões autónomas pelo artigo 229.º [227.º] foi sempre entendido como não prejudicando o regime das finanças locais a instituir posteriormente. (…) O problema reduz-se, assim, a saber como pode o Estado satisfazer simultaneamente o direito das regiões a dispor das receitas fiscais nelas cobradas e o direito dos municípios a participar nas receitas provenientes de impos- tos diretos. Mas, quanto a esta questão, parece não poder levantar-se qualquer dúvida. O direito atribuído às regiões não pode deixar de se encontrar negativamente delimitado pelo direito atribuído aos municípios. É que, enquanto o artigo 229.º [227.º] se refere genericamente a todas as receitas fiscais, o artigo 255.º [254.º] se refere especificamente a apenas uma parte de certas receitas fiscais, os impostos diretos. Nestes termos, às regiões autónomas cabe dispor das receitas fiscais nelas cobradas, salvo daquela parte destas que se destina a assegurar a participação dos municípios nas receitas provenientes de certos impostos, nos termos da Constituição e da lei”. Por outro lado, é reiterado o entendimento doutrinal de que um dos limites do direito de disposição regional das receitas fiscais (para afetação às despesas das regiões) decorre do direito das autarquias locais (designadamente os municípios) a receitas fiscais próprias (assim, Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit. , anotação ao artigo 227.º, ponto XXVI., Paz Ferreira, ob. cit., p. 579, e Maria Luisa Duarte, “As Receitas Tributárias das Regiões Autónomas”, Estudos de Direito Regional, Lex, 1997, p. 507). 7.2. Face ao estatuído nos artigos 254.º e 238.º da CRP os municípios participam, por direito próprio, nas receitas provenientes dos impostos diretos e têm finanças próprias. Este imperativo de autonomia financeira das autarquias locais tem, por isso, de se compatibilizar com o poder que as regiões autónomas têm de dispor das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas para afetação às suas despesas. O princípio do Estado unitário (artigo 6.º da CRP) compatibiliza o regime autonómico insular com a auto- nomia das autarquias locais e, consequentemente, duas diferentes sedes de autonomia financeira – a das regiões autónomas [artigos 227.º, n.º 1, alínea j) , e 232.º, n.º 1, da CRP] e a das autarquias locais (artigos 238.º e 254.º da CRP). Às regiões autónomas é garantido o poder de dispor das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas afetando-as às suas despesas, com exclusão das que caibam, por direito próprio, aos municípios. Reiterando o entendimento que se extrai do Parecer da Comissão Constitucional citado, importa concluir que o direito atribuído às regiões no artigo 227.º, n.º 1, alínea j) , não pode deixar de se encontrar negativamente delimitado pelo direito atribuído aos municípios. Assim sendo, o artigo 185.º-A da Lei do Orçamento do Estado para 2011 não viola esta norma constitucional, já que as autarquias locais das regiões autónomas participam no IRS nelas cobrado por direito próprio. Independentemente do disposto nos estatutos das regiões autónomas e na Lei das Finanças das Regiões Autónomas (cfr. supra ponto 6.1.). 7.3. Além de não padecer do vício de inconstitucionalidade por violação do artigo 227.º, n.º 1, alínea j) , da CRP, o artigo 185.º-A da Lei do Orçamento do Estado para 2011 não desrespeita o artigo 238.º da CRP. Diferen- temente do que está subjacente à argumentação dos requerentes no Processo n.º 910/11, a remissão que o n.º 2 deste artigo faz para a lei, estatuindo que o regime das finanças locais será estabelecido por lei, não leva à integração das normas da Lei das Finanças Locais no artigo 238.º, elevando-as a parâmetro de aferição da conformidade constitucional». Este entendimento, que agora é reiterado, conduz à não declaração, com força obrigatória geral da inconstitucionalidade da norma contida no artigo 212.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Orça- mento do Estado para 2012), por violação do disposto nos artigos 227.º, n.º 1, alínea j) , e 238.º da CRP.
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