TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012

63 acórdão n.º 412/12 disposto no artigo 227.º, n.º 1, alínea j) , da Constituição. Ou seja, a titularidade da receita não muda apenas em função da excecionalidade da sobretaxa. Como escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira, «As regiões autónomas têm direito a dispor de todas as receitas fiscais cobradas no respetivo arquipélago (n.º 1/j, 2.ª parte), o que abrange todos os impostos independentemente da sua natureza específica (impostos diretos ou indiretos, ordinários ou extraordinários, etc.)» ( Constituição da República Portuguesa Anotada , Vol II, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 675). 3. E não se argumente que sendo um dos limites admitidos ao direito de disposição regional das receitas fiscais aquele que decorre de uma receita se encontrar consignada a favor de uma determinada entidade pú- blica autónoma, que tal justificaria a presente opção legislativa, já que esta receita não integra tal categoria. Desde logo, pois de modo algum se poderá, a meu ver, considerar «consignada» a receita da sobretaxa em questão, apenas pelo facto de a sua imposição ser justificada por circunstâncias excecionais que obrigam a um esforço para acelerar a consolidação orçamental e cumprimento do objetivo traçado para o défice orça- mental. O ter como meta um tal objetivo genérico não faz do produto da sobretaxa uma receita «consigna- da». Pelo que não pode obstar a que esta receita, ainda que extraordinária, deva ser utilizada para realização de finalidades prosseguidas pelas regiões autónomas, no quadro determinado pelo artigo 227.º, n.º 1, alínea j) , da Constituição. 4. Também não creio que a melhor leitura da ideia de dupla «direcionalidade» do princípio da solidarie- dade nacional (dupla «direcionalidade», que se não rejeita liminarmente) – aflorado não apenas na alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição, como no artigo 225.º, n.º 2 (e a que se refere o Acórdão n.º 11/07) – , seja a que conduz a que esta deva ser entendida como fator decisivo que obrigaria, sempre, à solidariedade da região autónoma para com o Estado, impondo-se que a região prescinda, em qualquer caso, de receitas a que teria direito, ainda que as circunstâncias mostrassem que ela própria se encontrava em dificuldade. Não será excessivo sublinhar que a norma do 227.º, n.º 1, alínea j) , da Constituição, pretendeu, antes de mais, assegurar a efetiva solidariedade da República para com as regiões autónomas. Se são, ainda assim, pensáveis limites a este dever de solidariedade, por maioria de razão existirão limites à solidariedade destas relativamen- te à República, não podendo este princípio justificar, sem mais, desvios ao disposto no artigo 227.º, n.º 1, alínea j) , da Constituição. Afinal, a solidariedade supõe, em primeiro lugar, a imposição de obrigações ao mais forte para ajuda ao mais fraco, ainda que para este possam resultar também limitações (e, nessa medida, algum grau de reciprocidade). Ora, à delimitação constitucional do sistema fiscal das regiões autónomas, ao equilíbrio que a Constituição procura para as relações destas com o Estado, não é alheia a circunstância do caráter ultraperiférico das regiões autónomas, o que resulta, quer (como delineou Saldanha Sanches), «(n)um sub-sistema em relação ao que vigora no conjunto do espaço nacional, adaptado às condições espe- cíficas do espaço regional, criando condições fiscais mais vantajosas para as empresas que aí exercem a sua atividade ou para os contribuintes que aí residem» ( Manual de Direito Fiscal , 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 107), quer num quadro específico de solidariedade primacialmente pensada para atenuar as desvantagens (e assimetrias) regionais. 5. Não se aceita, igualmente, que o poder de disposição das receitas fiscais por parte das regiões autó- nomas, constitucionalmente consagrado, tenha por único fim permitir que estas disponham de um efetivo poder de aprovação/conformação de um orçamento próprio, e que, não sendo este poder inviabilizado pela norma agora em apreço, isso justifique que não se considere violado o artigo 227.º, n.º 1, alínea j) , da Constituição. Se é garante da autonomia financeira regional, o poder de dispor das receitas fiscais cobradas e geradas na região autónoma é mais do que isso: é um poder nuclear da autonomia regional. Subtraí-lo, traduz-se numa amputação de autogoverno dificilmente conciliável com juízos de ponderação relativos a circunstâncias excecionais e, seguramente, a meu ver, não poderia ocorrer nos termos apresentados, como julgo haver demonstrado.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=