TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
60 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Nestes termos, às regiões autónomas cabe dispor das receitas fiscais nelas cobradas, salvo daquela parte destas que se destina a assegurar a participação dos municípios nas receitas provenientes de certos impostos, nos termos da Constituição e da lei». Por outro lado, é reiterado o entendimento doutrinal de que um dos limites do direito de disposição regional das receitas fiscais (para afetação às despesas das regiões) decorre do direito das autarquias locais (designadamente os municípios) a receitas fiscais próprias (assim, Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit. , anotação ao artigo 227.º, ponto XXVI, Paz Ferreira, ob. cit. , p. 579, e Maria Luisa Duarte, “As Receitas Tri- butárias das Regiões Autónomas”, in Estudos de Direito Regional , Lex, 1997, p. 507). 7.2. Face ao estatuído nos artigos 254.º e 238.º da CRP os municípios participam, por direito próprio, nas receitas provenientes dos impostos diretos e têm finanças próprias. Este imperativo de autonomia finan- ceira das autarquias locais tem, por isso, de se compatibilizar com o poder que as regiões autónomas têm de dispor das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas para afetação às suas despesas. O princípio do Estado unitário (artigo 6.º da CRP) compatibiliza o regime autonómico insular com a autonomia das autarquias locais e, consequentemente, duas diferentes sedes de autonomia financeira – a das regiões autónomas [artigos 227.º, n.º 1, alínea j) , e 232.º, n.º 1, da CRP] e a das autarquias locais (ar- tigos 238.º e 254.º da CRP). Às regiões autónomas é garantido o poder de dispor das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas afetando-as às suas despesas, com exclusão das que caibam, por direito próprio, aos municípios. Reiterando o entendimento que se extrai do Parecer da Comissão Constitucional citado, importa con- cluir que o direito atribuído às regiões no artigo 227.º, n.º 1, alínea j) , não pode deixar de se encontrar negativamente delimitado pelo direito atribuído aos municípios. Assim sendo, o artigo 185.º-A da Lei do Orçamento do Estado para 2011 não viola esta norma constitucional, já que as autarquias locais das regiões autónomas participam no IRS nelas cobrado por direito próprio. Independentemente do disposto nos esta- tutos das regiões autónomas e na Lei das Finanças das Regiões Autónomas (cfr. supra ponto 6.1.). 7.3. Além de não padecer do vício de inconstitucionalidade por violação do artigo 227.º, n.º 1, alínea j) , da CRP, o artigo 185.º-A da Lei do Orçamento do Estado para 2011 não desrespeita o artigo 238.º da CRP. Diferentemente do que está subjacente à argumentação dos requerentes no Processo n.º 910/11, a remissão que o n.º 2 deste artigo faz para a lei, estatuindo que o regime das finanças locais será estabelecido por lei, não leva à integração das normas da Lei das Finanças Locais no artigo 238.º, elevando-as a parâmetro de aferição da conformidade constitucional. 8. Os requerentes põem ainda a questão da ilegalidade do artigo 2.º, n.º 4, da Lei n.º 49/2011, por vio- lação da alínea b) do n.º 2 do artigo 19.º do EPARAA (Receitas da região), nos termos do qual constituem, em especial, receitas da Região todos os impostos (…) e adicionais cobrados no seu território; e das alíneas b) do artigo 108.º (Receitas) e a) e d) do n.º 1 do artigo 112.º (Receitas fiscais) do EPARAM, segundos as quais constituem receitas da Região todos os impostos (…) e adicionais cobrados ou gerados no seu território e são receitas fiscais da Região, nos termos da lei, as relativas ou que resultem, nomeadamente do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e dos impostos extraordinários. Sucede, porém, que estas normas, embora formalmente inseridas nos estatutos político-administrativos, não são materialmente estatutárias. O Tribunal tem entendido, reiteradamente, que o âmbito da reserva de lei estatutária «não se determi- na em função do conteúdo concreto de um estatuto vigente; não ocorre violação da “reserva de estatuto” sempre que uma norma o contrarie». Esta violação existirá somente se a «norma constante do estatuto per- tencer ao âmbito material estatutário – ou seja: se ela regular questão materialmente estatutária» [Acórdãos n. os 162/99, 567/04, 581/07 e 238/08, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt . Na doutrina, Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit. , anotação ao artigo 226.º, alínea b), do ponto IV].
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