TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
57 acórdão n.º 412/12 n.º 1, alínea j) , da CRP. Admitir o poder de disposição desta receita fiscal, por apelo a normas estatutárias e da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, corresponderia à criação, por via dos estatutos e desta lei, de um poder não enquadrável em poderes constitucionalmente fixados. A sobretaxa em causa é de facto um imposto extraordinário (ou, se se preferir um adicional extraordiná- rio a um imposto), o que é comprovável para lá da etiqueta “sobretaxa extraordinária”. Em primeiro lugar, é justificada pela ocorrência de circunstâncias excecionais na Exposição de motivos da Proposta de Lei que deu origem àquele diploma, onde se lê o seguinte: «A prossecução do interesse público, em face da difícil situação económico-financeira do País, exige um esforço de consolidação que requererá, além de um maior ativismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais adicionais, inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental, que permitirão a obtenção de receita fiscal adicional estimada em cerca de oitocentos milhões de euros já em 2011 (…). A deterioração da conjuntura económico-financei- ra de Portugal e o agravamento da crise da dívida soberana na Europa, tornam não apenas imperioso como também razoável que o Governo proceda, por razões de superior interesse público constitucionalmente tutelado, à adoção imediata de medidas fiscais adicionais com impacto em 2011» (Proposta de Lei n.º 1/ XII). Em segundo lugar, a sobretaxa tem caráter marcadamente temporário ao incidir exclusivamente sobre os rendimentos auferidos em 2011, o que é assumido expressamente naquela Exposição de motivos e tem letra de lei no n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 49/2011, nos termos do qual o artigo que a cria aplica-se apenas aos rendimentos auferidos durante o ano de 2011, cessando a sua vigência após a produção de todos os seus efeitos em relação ao ano fiscal em curso. A reversão integral do produto da sobretaxa a favor do Orçamento do Estado não contende, de facto, com as receitas fiscais cobradas ou geradas nas regiões autónomas que foram afetadas às suas despesas nos termos do orçamento regional de 2011. Por outro lado, há uma afetação prévia da receita em causa à prossecução de uma finalidade específica a nível nacional que obsta à afetação da mesma às despesas das regiões autónomas. Lê-se na Proposta de Lei n.º 1/XII que o lançamento da sobretaxa «é uma medida que tem um caráter assumidamente extraordinário e imprescindível para acelerar o esforço de consolidação orçamental e cumprir o objetivo decisivo de um défice orçamental de 5,9% para este ano, respeitando rigorosamente o compromisso assumido pelo Estado português no âmbito dos memorandos de entendimento celebrados com a União Europeia, o Fundo Mone- tário Internacional e o Banco Central Europeu». E os artigos 2.º, n.º 4, da Lei n.º 49/2011 e 145.º-A, alínea b) , da Lei n.º 55-A/2010 justificam mesmo aquela reversão por apelo ao artigo 88.º da Lei de Enquadra- mento Orçamental, de cujo n.º 1 decorre a necessidade de «assegurar o estrito cumprimento dos princípios da estabilidade orçamental e da solidariedade recíproca, decorrentes do artigo 126.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e do Pacto de Estabilidade e Crescimento». 6.5. Ainda que assim não se entenda, uma interpretação da alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP que não desconsidere outras normas e princípios constitucionais levaria sempre a concluir que podem rever- ter para o Orçamento do Estado receitas fiscais extraordinárias cobradas ou geradas nas regiões autónomas, quando ocorram circunstâncias excecionais, nomeadamente de crise económico-financeira. Segundo o esta tuído no n.º 2 do artigo 225.º da CRP, a autonomia das regiões visa também o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses, pelo que o princípio da solidariedade nacional «não pode ser perspetivado por forma a dele se extrair uma só direccionalidade, qual seja a da solidariedade re- presentar unicamente a imposição de obrigações do Estado para com as Regiões Autónomas», tornando-se inequívoco que «não poderão deixar de ser ponderados também os interesses das populações do território nacional no seu todo» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 11/07, cujo entendimento foi reiterado nos Acórdãos n. os 581/07 e 499/08, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt . Na doutrina, no mesmo sen- tido, Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit. , anotação ao artigo 229.º, ponto II). O entendimento de que «a ideia de solidariedade coenvolve a de reciprocidade» (Acórdão n.º 581/07) e que esta coenvolve a contribuição das regiões «para o cumprimento dos objetivos de política económica a que o Estado Português esteja vinculado por força de tratados ou acordos internacionais, nomeadamente
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