TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012

56 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «É que as disposições constitucionais acima citadas [artigos 229.º, n.º 1, alínea f ) , e 255.º, este último relativo aos municípios] não podem deixar de ser interpretadas no sentido de consentirem o lançamento de impostos de caráter extraordinário cujo produto reverta inteiramente para o Estado, quando ocorram circunstâncias excecio- nais, nomeadamente de crise económico-financeira, que justifiquem esse comportamento legislativo. Decerto que o legislador constitucional, ao estabelecer os princípios constantes dos artigos atrás mencionados, teve basicamente presente um quadro de normalidade financeira e, consequentemente, tão-só os impostos ordiná- rios correntes, razão pela qual devem poder haver-se por excluídos daquele quadro os impostos extraordinários e não permanentes ditados por razões de manifesta excecionalidade». Este entendimento, reiterado nos Acórdãos n. os 66/84 e 141/85 (disponíveis no mesmo sítio), tem sido alvo de críticas doutrinais, coincidentes com a declaração de voto então aposta ao primeiro acórdão pelo Conselheiro Vital Moreira, que assentam fundamentalmente no seguinte: não há fundamento constitucio- nal para distinguir impostos ordinários de impostos extraordinários, pouco importando a normalidade ou a anormalidade das receitas, antes interessando a sua natureza de receitas fiscais; não é compreensível que a Constituição queira excluir os impostos extraordinários, na medida em que isso significaria permitir ao Estado que etiquetasse um imposto de extraordinário quando lhe aprouvesse; se a Constituição pretendesse excluir os impostos extraordinários, tê-lo-ia feito expressamente (Teixeira Ribeiro, “Anotação” ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 11/83, in Revista de Legislação e de Jurisprudência , ano 116.º, n.º 3713, pp. 250 e segs., Paz Ferreira, “O Redimensionamento dos Poderes Económicos e Financeiros das Regiões Autónomas Portuguesas Pela Jurisprudência Constitucional”, in Estudos de Direito Regional , Lex, 1997, pp. 580 e segs., e, mais recentemente, Nuno Cunha Rodrigues, “O imposto extraordinário e as regiões autónomas”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal , Ano 4, n.º 3, pp. 62 e segs.). 6.3. O artigo 227.º, n.º 1, alínea j) , da CRP atribui às regiões autónomas o poder de dispor das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, tendo em vista a autonomia financeira regional. Ao atribuir o poder de afetar as receitas cobradas ou geradas nas regiões autónomas às suas despesas assegura o poder de aprovação (a liberdade de conformação) de um orçamento próprio [cfr. artigos 227.º, n.º 1, alínea p) , e 232.º, n.º 1, segunda parte, da CRP]. A norma constitucional «outorga às regiões autónomas uma autêntica autonomia financeira, permitindo-lhes afetar as receitas próprias às suas despesas – no fundo, trata-se da liberdade de conformação de um orçamento próprio –, ao mesmo tempo que esclarece serem receitas próprias regionais as receitas fiscais cobradas [ou geradas] no respetivo território» (Lobo Xavier, “As receitas regionais e as receitas das outras parcelas do território nacional: concretização ou violação do princípio da igualdade?”, in Direito e Justiça , Vol. X, Tomo I, 1996, p. 177. Assim, também, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 499/08 disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) . A norma constitucional sobre reserva regional das receitas tributárias cobradas ou geradas nas regiões autónomas, na medida em que pretende garantir um poder orçamental autónomo relativamente aos órgãos da República e, concomitantemente, a autonomia financeira destas pessoas coletivas territoriais, consente o lançamento de impostos de caráter extraordinário cujo produto reverta inteiramente para o Estado (para o Orçamento do Estado). Consente o lançamento de um imposto que afete logo a receita, excecionalmente, à prossecução de uma finalidade específica de âmbito nacional, caso em que a receita fiscal cobrada ou gerada nas regiões autónomas não poderá ser afetada às suas despesas. Este tipo de impostos, porque vão além do quadro de normalidade financeira, onde se inscrevem os impostos ordinários correntes, não subtrai às regiões autónomas as receitas fiscais que tornam efetivo o poder de aprovação (a liberdade de conformação) de um orçamento próprio, financiado com receitas regionais próprias, constitucionalmente enquadrado na autono- mia financeira regional. 6.4. A receita da sobretaxa extraordinária sobre os rendimentos sujeitos a IRS auferidos em 2011, apro- vada pela Lei n.º 49/2011, cobrada nas regiões autónomas, está fora do âmbito de aplicação do artigo 227.º,

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