TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012
55 acórdão n.º 412/12 6.1. O «direito de disposição regional das receitas fiscais» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , volume II, Coimbra Editora 2010, anotação ao artigo 227.º, ponto XXVI) está previsto na CRP desde 1976. A redação da norma que o consagra manteve-se sem alterações significati- vas até à revisão constitucional de 1997: as regiões autónomas têm a atribuição/o poder, a definir nos respe- tivos estatutos, de dispor das receitas fiscais nelas cobradas (e de outras que lhes sejam atribuídas) e afetá-las às suas despesas [na versão primitiva e na da Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro, correspondia à alínea f ) do n.º 1 artigo 229.º; na versão da Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de julho, correspondia à alínea i) do n.º 1 do artigo 229.º]. Com a revisão constitucional de 1997, aquele direito passou a estar previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º na redação ainda hoje em vigor, que se distingue das anteriores face ao inciso «nos termos dos estatutos e da Lei de Finanças das Regiões Autónomas», à especificação das receitas fiscais «geradas» nas regiões autónomas e ao alargamento do direito de disposição à «participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efetiva solidariedade nacional» (cfr. artigo 150.º, n. os 1, 6 e 7, da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro). Face à argumentação dos requerentes, a alteração que importa considerar tem a ver com a especificação feita no sentido de as regiões autónomas terem o poder, a definir nos respetivos estatutos, de dispor, nos termos dos estatutos e da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas. Só que a alteração não tem o sentido que os requerentes lhe dão. A remissão da alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º para os estatutos das regiões autónomas nada acrescenta ao disposto no proémio do n.º 1 do mesmo artigo, nos termos do qual já resulta que os poderes das regiões devem ser definidos nos respetivos estatutos [assim, Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , tomo III, Coimbra Editora, 2007, alínea d) do ponto IX]. E, por seu turno, esta remissão confere aos estatutos uma função de mera definição dos poderes regionais especificados nas diversas alíneas do n.º 1, sendo chamados a concretizar e a tornar exequíveis os diversos poderes das regiões [Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit. , anotação ao artigo 227.º, ponto II, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit. , alínea c) do ponto I]. Nomeadamente o poder de dispor das receitas fiscais cobradas ou geradas nas regiões, sem prejuízo de se dever entender que este poder está garantido ainda que os estatutos o não definam e que a regulação das relações financeiras entre a República e as regiões autónomas não é matéria materialmente estatutária (cfr. infra ponto 8.). Da mesma forma, a remissão que é feita para a Lei de Finanças das Regiões Autónomas confere a esta lei uma função de mera concretização do poder que as Regiões têm de dispor das receitas fiscais nelas cobradas, tornando-o exequível. Ao que não é alheia a circunstância de a revisão constitucional de 1997 ter optado por deferir a uma lei específica, de valor reforçado, incluída na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, a regulação das relações financeiras entre a República e as regiões autónomas [cfr. artigos 229.º, n.º 3, 112.º, n.º 3, e 166.º, n.º 2, e 164.º, alínea t) , da CRP e infra ponto 8.]. Subsiste, por isso, a questão de saber se as regiões autónomas têm o poder de dispor das receitas da sobre- taxa extraordinária sobre os rendimentos sujeitos a IRS auferidos em 2011, face ao disposto no artigo 227.º, n.º 1, alínea j) , da CRP. Independentemente, portanto, do disposto nos estatutos político-administrativos e na Lei das Finanças das Regiões Autónomas, uma vez que as normas estatutárias e as desta lei não têm uma função criadora dos poderes das regiões autónomas, estando-lhes naturalmente vedada a criação de poderes não enquadráveis em poderes constitucionalmente fixados [assim, a propósito da referência aos estatutos que é feita no proémio, Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit. , anotação ao artigo 227.º, ponto IV. e Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit. , alínea c) do ponto I]. 6.2. Face ao então disposto no artigo 229.º, n.º 1, alínea f ) , da CRP, o Tribunal já apreciou a conformi- dade constitucional da norma de acordo com a qual o produto de um imposto extraordinário revertia «inte- gralmente para o Estado», interpretado este inciso no sentido de excluir as regiões autónomas da participação nas receitas. O Tribunal não se pronunciou pela inconstitucionalidade da norma no Acórdão n.º 11/83, (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) , fundando a pronúncia no seguinte:
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