TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 85.º Volume \ 2012

50 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL as Regiões Autónomas, com os limites e pressupostos acima citados, mas aí não se prevê nem se admite a retenção de verbas que sejam receitas próprias das Regiões, como é a receita resultante de IRS (em taxa normal ou sobretaxa). Os direitos das regiões autónomas – o poder orçamental Ao lado do “direito” de dispor das suas receitas próprias, entendido com um direito de titularidade (ou pro- priedade), esse poder regional de disposição envolve também a exclusividade de afetação dessas receitas às despesas que entender. Esse é o cerne da autonomia orçamental, também consagrada na alínea p) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP. A autonomia orçamental traduz-se “na existência de orçamentos próprios, aprovados pelas assembleias legisla- tivas regionais (artigo 232.º n.º 1) e que apenas se relacionam com o orçamento do Estado na medida em que este fixa o montante das transferências para cada Região e também os limites do endividamento regional. Coerente- mente com a amplitude com que foi consagrada a independência orçamental das Regiões (para usar uma expressão cara a Sousa Franco) o orçamento regional está sujeito a uma disciplina própria ainda que o Tribunal Constitucio- nal tenha entendido que certos preceitos da lei de enquadramento do Orçamento lhe sejam aplicáveis (Acórdão n.º 206/87) e tenha sido, mais tarde, aprovada uma lei de enquadramento orçamental (Lei n.º 91/2001 de 20 de agosto) cujos princípios são aplicáveis a todos os orçamentos do setor público administrativo (in, op cit. p. 330). A competência exclusiva das Assembleias Legislativas Regionais para aprovar os orçamentos da respetiva Região está assegurada constitucionalmente (artigo 232.º n.º 1 da CRP). Como se refere no Acórdão n.º 206/87 deste Tribunal, já citado “a competência, em absoluto inalienável da esfera parlamentar (historicamente, o poder parla- mentar de votar o orçamento precedeu o próprio poder legislativo parlamentar), só é plenamente afirmada quando os parlamentares autorizam as receitas e as despesas públicas, pelo período financeiro (em regra, um ano), com um mínimo de especificação. De facto, «se as receitas e as despesas fossem previstas em globo e não discriminadamente, o orçamento não nos indicaria as diversas fontes donde o Estado vai tirar os seus recursos, nem os diversos gastos que cada serviço público há de realizar. Quer dizer: não teríamos, verdadeiramente, uma exposição do plano finan- ceiro.» (Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, p. 44.) Da mesma forma não é só a especificação mínima que a CRP assegura à definição dos Parlamentos Regionais mas também a forma de afetação das receitas às despesas, sendo exatamente nesse aspeto que reside a autonomia financeira, e em especial orçamental. Ao admitir-se que o Governo da República “retenha” verbas do IRS cobradas no território das Regiões Autónomas, porque compensa em igual montante os Municípios aí sedeados, nos termos da Lei das Finanças Locais, está a permitir-se que a Administração central determine a afetação de receitas próprias que só às Regiões caberá decidir, nomeadamente através da competência exclusiva das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas. É certo que a Lei das Finanças Locais permitiu essa compensação aos Municípios por conta do IRS, mas deverá sempre entender-se que essa possibilidade não pode contundir [contender] com as garantias constitucionais das Regiões Autónomas, devendo ser os Parlamentos Regionais a prever essa compensação e a forma de relacionamento entre os orçamentos regionais e os municipais sedeados no seu território. A própria Lei das Finanças Regionais, como lei orgânica, determina nos seus artigos 62.º e 63.º que: (…) Como resulta destas disposições as receitas fiscais das Regiões Autónomas não podem ser afetas às Autarquias locais, o que sendo um direito de natureza constitucional está claramente violado na norma do artigo 4.º da Lei n.º 60-A/2011. Noutro importante Acórdão n.º 260/98 do Tribunal Constitucionalidade já se conclui pela inconstituciona- lidade da retenção na fonte, por parte da administração central, de uma parcela das receitas da sisa e das trans- ferências resultantes do Fundo de Equilíbrio Financeiro que eram receita municipal, para pagamento de dívidas das autarquias locais a determinada empresa, pois havia verdadeira substituição dos princípios [municípios] pela administração central, nas relações com um terceiro, o que nos parecer ser situação semelhante à que ora se coloca à consideração desse Tribunal.

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